sábado

Alegre arrasa PEC, ataca Cavaco e sugere regionalização

DN
O programa do Governo vai ter "um custo social excessivo". E Cavaco não pode resumir-se a "exercícios de cálculo"
Manuel Alegre juntou-se ontem ao cada vez maior número de políticos filiados no PS que criticam duramente o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) entregue pelo Governo na Assembleia da República (e que a direcção do partido quer levar ali a votos, através de uma resolução).
"Há consolidação a mais e crescimento a menos", disse ontem o histórico socialista, discursando num jantar com apoiantes em Bragança - o primeiro da sua pré--campanha presidencial organizado por militantes do PS.
Embora referindo "medidas positivas", como a taxação das mais-valias e a criação de um novo escalão no IRS, afirmou que outras propostas, como as privatizações da TAP, da REN e dos CTT , ou "medidas de austeridade que vão incidir sobretudo nos salários da função pública, as despesas sociais, o adiamento de grandes investimentos públicos e a diminuição de benefícios fiscais", representarão "um custo social excessivo que vai recair sobre a classe média e média baixa".
Admitiu que estas serão "medidas decorrentes das obrigações definidas no seio da União Europeia". "Mas então - acrescentou - é preciso repensar os critérios monetaristas que estão a contaminar a Europa."
Dito de outra forma: "Há um modelo [económico, na UE] que está esgotado." Pressionada pelas "empresas de rating" e pelo "ministro das Finanças alemão", a União Europeia retomou "o discurso da estabilidade monetária e do controlo de uma inflação que neste momento quase não existe". "Volta-se ao monetarismo puro e duro com efeitos perversos sobre o crescimento económico" e assim "é preciso começar a discutir é um novo modelo estratégico de desenvolvimento".
Alegre deu uma sugestão para "meditar": a experiência norte-americana do New Deal (levada a cabo de 1933 a 1937 pelo presidente Roosevelt ), que, através da "fiscalidade redistributiva", do "diálogo com os sindicatos" e da "elevação do nível dos salários, principalmente dos mais baixos", "inaugurou décadas de ouro na economia americana".
A intervenção do candidato presidencial foi ainda marcada por fortes críticas a Cavaco Silva. Dizendo que "o papel de um presidente da República não é o de gerir silêncios nem o de dizer apenas o que lhe convém quando lhe convém", afirmou que a "defesa da estabilidade não é um jogo de sombras, é uma prática de clarificação". "Portugal - afirmou - precisa de uma inspiração mobilizadora e não de exercícios de cálculo" e "perante a situação difícil em que Portugal se encontra, todos são responsáveis. Não só o Governo, não só a Assembleia, mas também o Presidente da República."
Falando em Bragança, referiu, evidentemente, a desertificação do interior. Sugeriu, sem ser explícito, formas regionalizadas de organização do poder, dizendo que o combate à desertificação "precisa de uma verdadeira instituição regional onde os autarcas do interior possam pensar a nível regional e nacional e tornar-se os protagonistas do seu município, da sua região e do seu país".
Obs: Após um lançamento de candidatura a Belém demasiado colado ao BE, talvez esta seja a 1ª jogada inteligente que o poeta Alegre tomou no quadro da luta política em Portugal. Sendo tão oportuno quanto certeiro nos problemas que invocou, designadamente ao pôr-se ao lado das classes sociais mais desfavorecidas em Portugal (e contra o monetarismo) que irão pagar a factura e nas farpas que dirigiu ao pior PR do pós 25 de Abril, o sr. Silva. Alegre, com este discurso de Bragança, obrigará o PS a antecipar o seu apoio a Belém, granjeou a simpatia da classe média (e baixa) em Portugal, revelou independência de pensamento e, de caminho, ainda fez um paralelo académicamente interessante entre a conjuntura actual portuguesa e o New Deal de Roosevelt ao tempo da II Guerra Mundial. Isto é o que se chama um poeta na política a marcar pontos. Confesso que começo a gostar desta poesia...