Portugal-encalhado - ante a mentira, o fingimento e a ilusão -
Há dias um amigo (novo) referiu-me que hoje já se coíbe de dizer o que pensa em voz alto, está mais reservado perante a sociedade em que opera, e, talvez próprio da idade, perdeu algum do “sangue na guelrra” que tinha no passado recente. Apesar das críticas.., elas hoje chovem menos na sua direcção, porque ao expor-se menos as reacções contra si também diminuíram.
É isto que a idade faz às pessoas: seca-as, desvitaliza-as, desmineraliza-as, ou seja, tira-lhe a paixão de viver na verdade e pela verdade, ainda que esta seja sempre uma construção e uma convenção entre os homens que dura por certo tempo. E assim se procede para evitar chatices: no emprego, com a família, com os amigos, na sociedade em geral…
É óbvio que isto não é receita para ninguém, e a sociedade só perde com este amorfismo que contamina os interstícios da sociedade – se levado às últimas consequências, se for massificado e todos pensarmos assim: com calculismo, com manhozisse, com medo do próprio medo, sempre a variável hobbesiana que nos apouca e, por vezes, nos coloca ao nível dos animais.
Também é óbvio que a consequência de sermos desbocados ou excessivamente voluntaristas comporta riscos pessoais e institucionais. Daqui decorre um dado curioso na vida interpessoal e societária do nosso tempo: vivemos hoje mais na dissimulação, na mentira, e isso tem graves reflexos no funcionamento geral da sociedade e das suas instituições políticas, judiciais e a qualquer nível.
Mas o mais grave é que fazemos tudo isso, na reserva ou no voluntarismo, através das manhas dum Príncipe, de forma fingida e dissimulada, falsamente beata e generosa, e este ciclo repete-se infernalmente, pois haverá sempre quem engane e quem se deixe enganar. A esfera Política, por ser o topoi para onde convergem os grandes interesses e tensões da sociedade, está repleta dessa praxis.
E Portugal, por hoje estar a viver a política de forma intensa – só em 2009 realizaram-se três actos eleitorais (Europeias, Legislativas e Autárquicas), neste momento o PSD fervilha no seu processo eleitoral, a vida pública nacional está, como nunca, colonizada de ameaças, crises múltiplas, acusações, chantagens, nepotismo, alegada corrupção. E ainda assistimos a um PR - através do seu assessor - tentando destituir o PM em funções com base numas falsas escutas de S. Bento a Belém. Ou seja, Portugal assistiu ao seu Watergate - que acabou por não funcionar e até teve um efeito de boomerang, já que aquele mensageiro incumbido de matar politicamente o destinatário acabou demitido de assessor de imprensa, mesmo que tenha ficado em Belém a fazer renda política. Tudo aspectos lamentáveis que não só apoucam os titulares desses órgãos de soberania como a própria república e a democracia, que vistas de "fora" ficaram manchadas.
Aliás, se nos concentrarmos no que têm sido os trabalhos parlamentares – ao nível das suas comissões de inquérito e de ética – (que não tem nada de uma e de outra) constatamos que Portugal está hoje a viver um processo de autentica caça às bruxas. Ninguém confia na justiça e nos tribunais, na polícia, no governo, nas oposições, até a igreja (alguma dela) está minada de agentes pedófilos cuja justiça tarde em fazer-se.
Ou seja, a vida pública nacional virou uma autêntica zanga de comadres – que quanto mais desavinda está mais meias verdades debita, tornando difícil a tarefa de descodificar toda essa propaganda e guerra informativa que se faz à sombra de ódios e de vinganças de jornalistas contra políticos, estes contra aqueles, juízes e jornalistas entre si, enfim, um verdadeiro câncer é aquele que hoje melhor define as relações sociais no seu quadro institucional. E é pena, porque isto também agrava as condições de subdesenvolvimento.
Outra das consequências deste ambiente podre entre nós resulta do curto-cicuito no pensamento colectivo, ou seja, os portugueses ante esta realidade deixaram de ter capacidade de pensar e de desenvolver massa crítica para reorganizar as suas vidas, também coarctada pela economia e pelo estado das nossas finanças públicas. O PEC também não ajudará internamente, ainda que marque pontos em Bruxelas. E aqui "somos todos comunistas", ao subscrevermos a fúria de que seja a classe média (e baixa) a pagar a crise por via fiscal, o que é lamentável e que conduzirá, inevitavelmente, a uma deslocação do sentido de voto de milhares de portugueses, os mesmos do centrão - que oscilam entre o punho e a laranja.
No domínio psico-político este caldo de cultura tensa e crísica também tem reflexos no campo de acção dos agentes políticos. Vejamos alguns desses procedimentos que não só ilustram a n/ tese inicial, a de que hoje a mentira é uma constante no discurso político, seja no poder seja na oposição, como também por via do recurso que se faz no plano das intenções e da propaganda que se utiliza para corporizar essa forma de actuação cada vez mais recorrente entre nós: seja no espaço público e político, seja na esfera privada.
Em primeiro lugar, é difícil hoje identificar um político que fale sem procurar simplificar as suas mensagens, por vezes reduzindo a realidade a meros slogans.
Em segundo lugar, não encontramos hoje nenhum político que não recorra à ampliação do drama para potenciar o seu argumentário, eliminando todas aquelas informações que não lhe interessam ou até mesmo desfigurando certos factos.
Em terceiro lugar, hoje qualquer agente político recorre à repetição incansável de ideias e de clichés, bombardeando assim o seu público-alvo, inculcando-lhes esses factos como genuínas verdades.
Em quarto lugar, os políticos evitam entrar em colisão com os chefes de bancada da sua própria família política, e ainda ontem Passos Coelho passou com a mão pelo pêlo ao PR na entrevista a Judite de souda na RTP, quando no passado recente dizia que o PSD jamais seria um apêndice de Belém, embora os exemplos possam multiplicar-se neste segmento da política cínica.
Em quinto lugar, todos os agentes políticos procuram criar a ilusão de uma unanimidade em torno de si e das suas ideias, e de explorar os desejos que os homens nutrem pelo poder e pela riqueza, ainda que não saibam o que fazer verdadeiramente com um e com outra.
Daqui decorre que hoje os portugueses estão manietados pela classe política que ao longo das décadas foram entronizando nos lugares públicos, daqui não excepcionando os maus exemplos da magistratura que está fortemente partidarizada e é profundamente incompetente, além dos escassos meios de que dispõem para fazer justiça.
O povo português, em face do exposto, representa hoje um tremendo "rebanho" que flui ao sabor do assobio do pastor e da genica do seu cão. Os media, para agravar tudo isto, em vez de informar com objectividade ainda tomam partido e, consoante os interesses dos grupos económicos que integram, os ódios de estimação e as vaidades pessoais - alinham ora com uns ora com outros.
Ao contrário do meu amigo, continuo a pensar que honesty is the best policy, ainda que a verdade nos custe alguns amargos de boca no imediato. Sacrificamo-nos em nome dum país menos podre no futuro...
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