terça-feira

A estética da sedução em Política...

Santana Lopes, a propósito da já chamada "lei da rolha" no PSD, foi ontem à SIC fazer uma confissão ao seu amigo jornalista Mário Crespo. Tudo num registo intimista, emocional, hiper-subjectivo e subjectivizante. Em rigor, a parelha não poderia ser mais perfeita naquele jogo de absurdos, pois Santana faz política como Crespo faz jornalismo: num registo hiper-emocional, num permanente queixume confessional que nada tem a ver nem com a política nem com o jornalismo modernos. Dois maus exemplos, portanto.
Em causa está uma norma estatutária que proíbe que militantes de um partido possam votar noutros candidatos no quadro de eleições. À partida, quem milita num partido é suposto que não vá apoiar candidatos de outros partidos concorrentes, até por uma questão de coerência intelectual, ideológica e programática, a não ser que o candidato desse partido seja tão mau que essa deriva justifique a excepção, ou ainda que elevados interesses nacionais o obriguem a preterir um candidato doméstico em favor de um candidato de "fora" da família política em questão. Em todo o caso, penso que a haver censura ela será de ordem moral e pública, e não revestida dum carácter jurídico-formal de tipo punitivo, como é advogado por Santana lopes, que continua tristemente a andar por aí...
De resto, hoje os partidos não são exemplo para ninguém na sociedade em Portugal, e por viverem numa permanente promiscuidade de interesses seria suposto que essa liberdade de escolha fosse deixada ao livre arbítrio de cada cidadão, militante ou não nos partidos.
Mas o que talvez valha a pena meditar é esse crónico registo de teatralização, personalização e dramaturgia utilizado por Santana Lopes que apenas consegue revelar com a sua prestação o seu habitual repertório figurativo em constante representação, com aquela fachada social a encontrar ombro amigo no jornalista Mário Crespo. Um e outro, política e jornalismo, são as duas faces da mesma moeda, a que Cavaco descreveu no famoso artigo do Expresso em 2005, quando enunciou a má moeda, segundo a Lei de Gresham…
Este ruído estatutário, que nenhum interesse tem para o país foi logo aproveitado – de forma oportunista – por Francisco Assis do PS, que também não sabe o que fazer ao tempo, e assim ilude os portugueses. Se é para isto que os partidos servem, os portugueses estão mal servidos, pois também não é suposto que o partido do poder a pretexto da discussão duma norma censória interna à vidinha do maior partido da oposição, eleve o assunto para discussão no plenário. Francisco Assis não deveria insultar a inteligência dos portugueses que já estão fartos de tanta chicana política, sobretudo quando estão em agenda importantes temas e problemas sociais e económicos.
Creio que esta retórica política é perniciosa para todos nós, que assim nos afastamos ainda mais dos partidos e da política em geral. Precisamente, porque as grandes questões tendem a ser artificialmente substituídas pela retórica parlamentar, desenvolvida pelos técnicos da palavra e pelo virtuosismo do seu discurso vazio. Imagine-se o que seria amanhã o parlamento ocupar toda uma sessão para discutir as babuseiras de Santana Lopes oportunísticamente ampliadas por Francisco Assis a pretexto duma norma interna do PSD?! O que diriam as instituições internacionais - financeiras e económicas - que hoje observam à lupa o nosso comportamento colectivo?! Seria o descrédito dos partidos, dos seus líderes e das instituições. Creio que a democracia não é isto. Talvez por isso, os dirigentes políticos devam arrepiar caminho e repensar a sua oratória e os temas que nela integram quando falam à plebe. Pois a retórica mediática dos políticos há muito que se converteu numa retórica da emoção, do queixume, da confissão em vez de ser um esforço verdadeiro de elevar os grandes problemas do país e de encontrar para eles soluções realistas e de rápida implementação que beneficie o interesse geral, o bem comum.
Pois se aquela entrevista de Santana ao Mário Crespo revela aquilo que a política tem mais de banal, o oportunismo subsequente de Francisco Assis revela total desrespeito pelos portugueses, pensando eles que a comunicação política é um exercício indicial, em que a imagem, os afectos, as emoções, os queixumes são, de facto, os artefactos que passam a contar nesta forma troglodita de fazer política.
Como simples cidadão não me revejo nestas falsas representações da política e do político, pois esperamos mais da política do que um simples rendilhado de participação de afectos em público que as caixas negras das televisões amplificam para desgraça de todos nós.
Creio que a Política é algo mais do que esta retórica mediática e "para-lamentar" de Santana & Assis e também transcende esta estética da sedução com que à esquerda, ao centro e à direita nos querem impingir.