Dos governados
Referimos abaixo, no quadro da tentativa de introdução duma norma estatutária de tipo proibitivo na vida interna de um partido do arco da governação em Portugal, que os portugueses têm que ter “filtros” para não se deixarem enganar acerca daquilo que os agentes políticos, de todos os partidos, embora com maior incidência no "bloco central", procuram ou não discutir na esfera pública. Como é sabido, membros desses dois partidos, PSD e PS, por razões diversas, tentaram mandar poeira para os olhos dos portugueses, e isso deve ser denunciado e, se possível, corrigido em prol da qualidade da nossa bela democracia (social, económica e, já agora, política).
Pois não é num momento em que a economia tem quase um crescimento zero, o desemprego ultrapassou os dois dígitos, a atracção de investimento não acontece que alguns agentes políticos com acesso aos media têm o direito de modelar a estrutura da informação a seu belo prazer, e sem nenhuma correlação com os reais interesses dos portugueses.
Isto pressupõe, inevitavelmente, uma nova cultura e uma nova mentalidade da parte dos governados, i.é, dos cidadãos, eleitores e telespectadores que se sentem atingidos pela manipulação e pela prostituição dos temas que é feito ao nível da tal agenda noticiosa. E não se compreende como é que essas manipulações continuam a suceder-se a grande velocidade, sobretudo quando a população portuguesa passou a dispor dum leque de conhecimentos mais alargado, tem também mais formas de se expressar, e pode alterar o comportamento eleitoral votando numa ou noutra direcção.
Daqui não procede que esse aumento de massa crítica se ficou a dever ao desenvolvimento dos meios de comunicação modernos, em especial da rádio e da tv, mas a uma elevação do nível geral de alfabetização da sociedade e também a um aumento considerável de mais licenciados, mestres e doutores em Portugal que já não deveriam comer "gato por lebre", uma expressão cara ao actual PR e à bolsa de valores de Lisboa, e a Belmiro de Azevedo em particular que ficou agradecido.
Hoje todos nós podemos construir as nossas narrativas e o nosso conhecimento de forma mais autónoma e variada, e sem ter necessariamente que mergulhar nas notícias da caixa negra, ainda que ela seja importante como forma de retratar o mundo dos nossos dias.
Ora é essa capacidade colectiva que hoje todos nós dispomos que nos habilita a conhecer melhor os desafios sociais, económicos e políticos que temos pela frente. E se assim é os nossos filtros psicológicos também deveriam funcionar mais e melhor na filtragem da informação que os media nos querem impingir, em muitos casos com a conivência de alguns agentes políticos que promovem esse tipo de factóides, e a discussão daquela norma estatutária da vida interna do PSD é, naturalmente, uma não-notícia – até porque releva pouco para o interesse geral e para o bem comum, ainda que alimente a intriga nos mantideros politico-partidários por onde deambulam moscas e animais conexos que nada somam à República.
Mas é nossa obrigação contribuir para deixar entrar na esfera pública aqueles temas e problemas que verdadeiramente relevam para o bem comum, barrando aqueles outros que só servem para animar intrigas partidárias mediados pela ágora catódica da caixa negra.
E é aqui que chegamos à influência dos media sobre o estabelecimento da ordem do dia dos problemas da actualidade, aquilo que a terminologia anglo-saxónica define como o agenda-setting, na linha dos trabalhos de McCombs e Shaw. Que se deram ao trabalho de comparar os conteúdos dos media e a opinião dos eleitores sobre assuntos que lhes pareciam importantes nos EUA em 1968, por ocasião das eleições presidenciais. E já então estes teóricos concluíram que a importância atribuída pelos media a certos assuntos e a que era atribuída pelos eleitores aos mesmos assuntos, no que dizia respeito à selecção de informações, divergiam. E divergindo os media estavam objectivamente a desviar as atenções do público para certos temas em detrimento de outros.
Esta perversidade ao nível da comunicação, que também ajuda a minar a democracia, veio demonstrar, entre outras coisas, que a influência dos media já não consistia apenas em dizer às pessoas no que devem pensar mas também naquilo em que devem pensar. Uma vez que são eles que definem o calendário e a hierarquia dos acontecimentos do nosso tempo. A esta luz, os eleitores dependiam muito dos media para saber quais os pontos quentes do debate político.
Nos últimos dias em Portugal ficámos todos a saber, pela boca de Santana Lopes, Francisco Assis e alguns jornalistas que embarcaram nesta novela mexicana – que não termina mesmo quando já não há orçamento para as filmagens – que é a norma estatutária do PSD aquilo que deverá preocupar os portugueses.
Por favor…
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