domingo

A responsabilidade à esquerda - João Marcelino

Os últimos dias mostram como a responsabilidade da governação só é assumida pelo PS, PSD e PP - ou seja, pela esquerda moderada, pelo centro e pela direita, se quisermos utilizar uma linguagem minimalista e às vezes pouco rigorosa. Os votos na esquerda, seja ela operária ou intelectual, do PCP ao Bloco, garantem o protesto mas continuam a não fornecer soluções reais para o País. Viu-se isso neste processo relativo à apresentação do Orçamento do Estado para 2010. dn
É evidente que, do ponto de vista factual, se pode dizer também, em sentido inverso, que Portugal está como está devido ao exercício do poder feito por esses mesmos três partidos do chamado arco da governação. Sobretudo o PS e o PSD, tendo repartido as responsabilidades nos últimos 25 anos, não podem assobiar para o lado. Não, não podem! Os últimos primeiros-ministros chamaram-se Cavaco Silva (mais ou menos dez anos), António Guterres (seis), Durão Barroso (dois) e José Sócrates (cinco). E antes deles Mário Soares. O bloco central trouxe-nos até aqui.
É preciso dizer que por vontade do PCP e do Bloco este défice e endividamento seriam necessariamente maiores. Garantir o emprego, alargar o alcance e a dimensão das políticas sociais e debitar tudo isso "aos ricos", "à banca", "aos paraísos fiscais" é uma utopia do século XX que esbarrou na condição humana. O muro caiu porque os melhores, os mais trabalhadores, não aceitam subsidiar, para além de limites aceitáveis, quem teve menos sorte, não é tão capaz ou, até, trabalha abaixo do que deveria.
2 O problema, à esquerda, está em saber quando se inverterá este quadro, se é que algu- ma vez isso acontecerá; e quando é que esses quase 20% dos votos se traduzirão numa proposta de caminho económico credível para Portugal - se é que a tem, e eu não a vejo.
É fácil propor sucessivos aumentos para os funcionários públicos. Mais polícias na rua. Mais médicos nos hospitais. Mais professores nas escolas. Mais magistrados a despacharem o tal milhão de processos assinalados pelo recente discurso do Presidente da República.
O que é difícil é dizer aos trabalhadores toda a verdade: nós não produzimos o suficiente para podermos continuar a aspirar à qualidade de vida a que nos habituámos. E, portanto, ou nos dispomos a melhorar a nossa produtividade, e a qualidade do que fazemos ou teremos de nos adaptar à ideia de que no futuro seremos mais pobres e mais infelizes, mesmo que essa pobreza e essa infelicidade devam ser mais bem repartidas.
Quando se discute o orçamento - e, felizmente, essa é uma discussão cada vez mais participada - é de tudo isso que falamos: de não desistir, de levantar cabeça, de sonhar que podemos ser melhores do que temos sido, até mais honestos na gestão dos fundos comunitários.
O Bloco e o PCP têm-se esgotado no enquadramento da contestação social, que sempre houve e haverá. São um factor de contrapeso necessário a um mais justo exercício do poder, mas não têm servido para liderar a construção de uma sociedade diferente. Nada que não soubéssemos, mas deve ser dito.
Teixeira dos Santos é o mesmo homem que em 2005, e durante três anos, liderou um eficaz combate ao défice das contas públicas (chegou a 2,6% do PIB, antes da crise). Merece confiança, mas no mínimo o benefício da dúvida que responsavelmente lhe é dado pelo PSD e pelo PP (à consideração das agências de rating). Este acordo tácito para a passagem do Orçamento do Estado era politicamente inevitável, sobretudo depois da mensagem do Presidente da República, mas seria muito difícil sem a imagem de competência técnica e honorabilidade pessoal do actual ministro das Finanças, cujo maior erro foi ter alinhado, durante o recente período eleitoral, no esconder da grave situação hoje à vista de todos. O técnico soçobrou perante o político com mais ou menos sinais de incomodidade. Foi pena.
Nota: Digamos que Teixeira dos Santos terá de ler (ou reler) alguns dos escritos de Max Weber para evitar que, de futuro, incorra no mesmo erro. É o velho problema do Político e do Cientista que o articulista talvez desconheça, mas ainda vai a tempo...