Retrato do tempo: uma aproximação à sociologia de Woody Allen -
Pode-se perguntar se a ética de Woody Allen conduz a uma ética da virtude na comunidade, dado o perfeccionismo que anima o cineasta. Sucede que a paranóia de Allen não projecta conforto na sociedade. De resto, toda a obra de Allen está centrada nessa cidade fragmentada, doente, alienada e regulada pelas forças do mercado e do darwinismo social que é Nova Yorque. E apesar de toda a sua grandeza, a Big Apple não é, seguramente, exemplo duma comunidade baseada na virtude. Todavia, aquilo que interessa aqui sublinhar do realizador é perceber o seu método de fazer as coisas, em que ele pega nos pormenores, nas contingências humanas, herdadas e adquiridas, e procura dar-lhes um estilo no caos em que todos vivemos. Pormenores que retratam a farsa em que todos nós vivemos, sendo que a atenção que concede às questões sociais é tal que o seu imenso testemunho só pode culminar num também imenso contributo para as Ciências Sociais, tanta vez esquecido. Só possível graças à imaginação colossal e ilimitada e ao conhecimento abrangente que tem da política, da filosofia, da literatura, da sociologia, da economia, da cultura popular, da ciência e de práticamente todas as demais categorias do conhecimento. E Allen, apesar do seu congénito pessimismo e cepticismo acerca da vida, não anda muito longe da verdade quando defende que o mundo está dividido em duas categorias de pessoas: os horríveis e os desgraçados. Aqueles integram os casos terminais e as pessoas cegas e mutiladas, os desgraçados somos todos nós, os restantes. Por isso, quando passarmos pela vida, como defende o realizador, diz-lhe: dá graças por seres desgraçada. Talvez isto seja um traço neo-realista do mundo d'hoje: o nosso mundo, nas suas mais variadas vertentes e facetas. E tavez isto também ajude a explicar a razão pela qual Woody Allen diz que se Deus existe, espero que Ele tenha uma boa desculpa. E não é necessário virarmos os holofotes para o Haiti...
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