sexta-feira

O processo orçamental - por António Vitorino -

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Várias vezes foi dito que o debate e votação do Orçamento do Estado para 2010 seria o momento da verdade em termos de governabilidade do País.
As razões de política interna que determinavam tal avaliação saíram reforçadas pela envolvente externa, numa lógica de "apertar o cerco" àquelas economias da Zona Euro que apresentavam desequilíbrios mais visíveis. Tudo começou pela Grécia, seguiu-se Portugal, e a Espanha e a Itália foram referenciadas como estando na linha seguinte de observação.
Podemos discordar das similitudes traçadas entre todos estes casos, como bem explicou numa entrevista recente o governador do Banco de Portugal. Acresce que algumas das vozes que se ouviram vêm daqueles sectores que em 1999 tinham decretado a inviabilidade do euro exactamente por se terem qualificado para a moeda única europeia os países mediterrânicos. Outros defendem mesmo uma "intervenção purificadora" na Zona Euro, criando nela duas velocidades em função dos perfis económicos dos vários países membros.
Independentemente dos fundamentos e até de um juízo de probabilidade política sobre tais "soluções", a verdade é que ninguém em Portugal poderia ignorar a pressão que foi subindo nas últimas semanas sobre as contas nacionais e a elevada expectativa sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2010.
As negociações levadas a cabo pelo Governo com os partidos da oposição permitiram que dois deles - o PSD e o CDS - declarassem a intenção de viabilizar o programa orçamental para este ano através da abstenção.
Salta à vista que estes dois partidos tiveram em linha de conta a envolvente externa referida e, aspirando a ser no futuro Governo, segundo as regras da alternância democrática, consideraram que uma crise política decorrente da rejeição do Orçamento só agravaria as já de si penosas condições da economia portuguesa.
Os partidos à esquerda do PS preferiram denunciar o acordo com a direita parlamentar, invocando, como de costume, uma espécie de perversão da orientação política dos socialistas, sempre propensa a fazer acordos com a direita. Para além do que esta imputação de intenções significa no campo da luta política imediata, o que esses partidos escamoteiam é que, por muito que desprezem os mercados financeiros e as organizações internacionais que têm os olhos postos em Portugal, na realidade um Orçamento que correspondesse a várias das suas pretensões traduzir-se-ia em aumento do défice e em insensibilidade quanto ao endividamento. Nesse cenário, uma reacção externa face a um Orçamento considerado irrealista acabaria por agravar as condições da retoma económica, dificultar o acesso ao crédito das famílias e das empresas que dele necessitam, especialmente as pequenas e médias empresas, e acabaria por resultar ainda em mais desemprego do que aquele que já se antevê para o corrente ano.
A abstenção da direita parlamentar louva-se do sentido de responsabilidade de que assim dá provas, mas garante aos seus protagonistas o distanciamento necessário face às concretas soluções do Governo na proposta de orçamento e sobretudo face à sua execução. Evita-se, assim, uma crise política sem que se percam as diferenças de estratégia política entre aqueles partidos que aspiram à governação.
Neste contexto surpreende que um candidato à liderança do PSD tenha vindo preconizar que o seu partido devia votar contra a proposta de Orçamento do Estado. Claro que esta posição de Pedro Passos Coelho pode ser interpretada como um elemento da luta interna pelo poder no partido, visando atingir, por antecipação, qualquer candidato alternativo oriundo da área da actual liderança do Partido. Mas, se assim for, registe-se pois que preferiu antepor os seus interesses partidários às preocupações com a estabilidade política do País! Pelo contrário, se a sua opinião não foi ditada por calculismos na disputa da liderança e antes corresponde a uma atitude tomada em nome do que pensa ser o interesse nacional, então seria exigível que explicasse porque é que preconiza, neste momento difícil e nesta conjuntura externa tão delicada, a abertura de uma crise política em Portugal…
Obs: Parece que nunca foi tão difícil governar como actualmente. Dantes o sistema representativo considerava-se a quinta-essência da política, o Estado providência era a tradução social de uma justiça imanente, a redistribuição dos recursos e dos impostos parecia mais fácil de fazer na acção governativa, não obstante a entrada cá do FMI - que ditou as regras durante uns anitos. Agora temos as agências de notação financeira, uma espécie de ASAE de Teixeira dos Santos.
Acresce que a modernidade trouxe uma democracia de opinião brutal, partidos políticos irresponsáveis e populistas, grupos corporativos que sequestram os recursos das políticas públicas para satisfazer interesses particulares organizados e, no final, o desgraçado do Estado tem que arranjar dinheiro para se pagar, o que não é pouco, e tornar ainda mais desgraçados aqueles que já o eram, pelos impostos que pagam e pelo escasso benefício ou vantagem que tiram do Estado. O pagamento por conta o que é senão um modo de o Estado se financiar antecipadamente à conta das empresas que trabalham para o Estado. Apesar de tudo, o OE/2010 foi a coisa possível, sem rasgo nem grandes promessas. Mas a oposição, tirando ao show-of do CDS, reconheceu não haver alternativa em face da actual conjuntura.
Na leva aparece-nos o "jovem mais velho" do psd, Passos Coelho, que diante da moral de convicção (kantiana) e a moral de responsabilidade (maquiavélica) - escolhe esta, por ser aquela que, no seu entender, melhor reforça o seu poder na luta interna pelo controlo do PSD. O que significa que este rapaz a governar colocaria sempre à frente dos interesses nacionais permanentes os interesses particulares e partidários que ainda farão de Pedro Passos Coelho o sucessor da srª Ferreira leite, o pior sinistro que poderia ter ocorrido ao PSD.
De tal forma que nenhuma seguradora faria hoje um seguro ao partido fundado por Sá Carneiro e, claro, pelo menino-guerreiro, com o seu PPD/PSD.