domingo

Que padrão de governação Sócrates seguirá...

Sócrates enfrenta hoje o desafio do cirurgião na mesa das operações, ou seja, a arte e a techné da governação de Portugal esperam tudo do PM. Não dispondo da sua velha maioria absoluta, que lhe permitia governar o país com folga política e parlamentar pelo apoio absoluto que dispunha na Assembleia da República, Sócrates é hoje chamado a negociar com as oposições, individualmente ou em bloco, acordos pontuais relativamente a certas matérias de maior sensibilidade que carecem do apoio de outros partidos políticos com representação parlamentar.
Se, por um lado, Sócrates não estranhará esta nova necessidade na configuração política, já que foi o PM que mais vezes foi à AR prestar contas às oposições e ao país (ganhando sempre todos os debates parlamentares), por outro tem, agora, uma responsabilidade acrescida, que consiste em ter a flexibilidade suficiente de procurar consensos onde antes impunha as decisões da sua velha e cessante maioria parlamentar.
Eis os desafios da democracia pluralista.
Não basta ganhar as eleições, tem também que se saber conquistar a anuência geral e concreta das oposições para fazer aprovar as leis da República que irão fazer as reformas necessárias que os portugueses precisam para sair da crise, meter a economia a funcionar e eliminar a preocupante taxa de desemprego, quebra de investimento e fraco crescimento no país. Tudo desafios que não se resolvem apenas com leis, naturalmente.
Esta é a verdade dos factos, mas há que saber como estabelecer o melhor método e o melhor critério para alavancar a governação neste contexto crísico, que convoca a arte e a técnica dos governantes e dos decisores para a formulação das melhores leis, dos melhores acordos de concertação social e das melhores negociações na esfera internacional, sobretudo no plano comunitário que se coloca a Portugal nos próximos anos, e de que depende a nossa saída da crise e a modernização da nossa Justiça, Educação, Agricultura, Indústria, Saúde e demais sectores da economia nacional que hoje se encontram num estádio de subdesenvolvimento que penaliza os portugueses e afasta qualquer investidor externo que pense em Portugal como destino do seu investimento.
Vejamos os quatro grandes pressupostos que formatam o padrão de governação e de cultura política a que Sócrates se poderá agarrar para governar Portugal nesta delicada conjuntura económica, social e política.
Apresentamos aqui esses quatro pressupostos por ordem crescente de importância.
O fatalismo (típico do comportamento de Ferreira Leite) que rejeita o risco, desejava eliminar o investimento público, aceita o destino, remete para o esquema da privatização os constrangimentos da segurança social jamais poderia ser solução governativa para Portugal. Esta era, em traços gerais, a opção decadente de Ferreira Leite.
A via da hierarquização das estruturas burocráticas aplicadas ao futuro governo assente na valorização das competências dos governantes, na obediência das rotinas e na mera estruturação das decisões de Estado em função daquelas competências seria pretender converter Portugal numa Alemanha, o que seria impraticável. Aqui um Governo Sócrates teria a maior dificuldade em acelerar processos de tomada de decisão dada a ausência duma orientação inovadora no governo.
Seguir a 3ª via, ou seja, impor o pluralismo enquanto filosofia de governo, o sentido da solidariedade de grupo com as expectativas de protecção de grupo aos interesses sociais em maior dificuldade, buscar consensos a todo o custo e estruturar o poder ao estilo de António Guterres – talvez não seja a melhor opção na actual fase de crise social, económica e política. O país carece de um governo de choque para sair da crise, e não para atender às reivindicações de corporações enquadradas por organizações e interesses particulares e que, por essa razão, colidem com o interesse geral e o bem comum que o Governo deve procurar salvaguardar.
Por último, talvez o Governo que hoje toma posse liderado por José Sócrates deva seguir um padrão de funcionamento e de cultura política que procura aliar a competitividade, com a valorização do risco, a lógica de mercado e a valorização contratual entre o Estado e os “privados” no quadro da estruturação dos poderes separados previstos no nosso sistema político e dos equilíbrios institucionais que hoje tem em Belém um PR parcial, enfraquecido, desnorteado e que escolheu uma questão imaginária – as escutas – para uma dupla finalidade: denegrir a imagem do Governo e a do PM em particular e ajudar a colocar Manuela Ferreira Leite em S. Bento. Ambos os objectivos foram gorados, por isso Cavaco saíu derrotado e enfraquecido dessa luta política.
Ainda que esta última via seja o padrão de sociedade liberal que melhor serve ao país no momento presente tal não exime o Estado de consolidar as suas políticas sociais, apostar na qualificação socioprofissional dos portugueses, atrair Investimento Directo Estrangeiro (IDE), aumentar a produtividade do país e redistribuir melhor a riqueza nacional. Se assim for potencia-se a justiça social entre os portugueses, diminuindo-se as desigualdades sociais que ainda hoje separam os muito ricos dos muito pobres, os “have” dos “have nots” em Portugal.