Leia a Bíblia - são os desafios que Saramago deixa aos portugueses

- a imperfeição da ciência humana, e nisto o escritor deveria meditar;
- e a moderação dos nossos desejos e ambições - e nisto saramago também deveria reflectir, até pela sua própria felicidade, visto que o escritor já se encontra na antecâmara do termo da vida, muito frágil, por vezes, deve até baralhar as ideias e dizer o contrário daquilo que pensa. É tão pouco sério o escritor acusar as igrejas - que ele critica no livro - de não se submeterem a leituras alternativas acerca da Bíblia, como é redutor as igrejas e os respresentantes dessas religiões do livro pretenderem limitar a liberdade de expressão do escritor. Mas porque as coisas nascem tortas é que vemos, hoje, um Mário Davi do PSD a fazer o papel de censor-mor do reino, papel desempenhado por Sousa lara há uns anos, quando este era sub-secretário de Estado da Cultura do Governo de Cavaco - arredando o livro de Saramago dum concurso; assim como é estéril ver uma Edite Estrela do PS - armar-se em libertária, falar em nome do escritor e acusar os que criticam o escritor, só porque Saramago se nobilizou, de fundamentalista. Tudo isto é uma exaltação parva que só serve para alimentar gente tontinha. Nem Edite nem Davi têm razão, a questão é, por natura, bem mais complexa e ultrapassa-os em absoluto. As suas lógicas são meramente politico-partidárias, as lógicas que precisamente menos interessam para a clarificação desta polémica. Manual de maus costumes e um catálogo de crueldades foi a prática dos PCPs por essa Europa fora durante quase todo o século XX e que Saramago pouco ou nada questionou. É óbvio que em nome da religião, da colonização, dos Descobrimentos e da cristianização se cometeram crimes hediondos na humanidade. O Marquês de Pombal também fez das suas cá dentro, até Judeus queimou vivos alí perto da Ginginha do Rossio. O que só prova que a razão e a verdade se encontram acima do escritor e vai para lá das opiniões partidárias e transcende muito a opinião formal dos representantes das religiões ofendidas em Portugal, na sequência de mais este livrinho de Saramago que ninguém leu. Por isso, quando Saramago defende que "o Deus da Bíblia não é de fiar, é vingativo, rancoroso e má pessoa" - pensei que ele se estivesse e reportar aos líderes da ex-URSS e de quase todos os dirigentes dos PCPs europeus e até, convenhamos, de uma boa parte da humanidade. Porque o homem, na matriz hobesiana, é mau por natureza, a sociedade é que tende a civilizá-lo e a torná-lo mais harmonioso na vida em sociedade. Mas para isso temos de assimilar um conjunto de valores a que Freud, com propriedade, chamava Cultura e, no topo da pirâmide, Civilização. Portanto, não sei bem quem pretende impôr uma visão sobre o mundo: se o escritor ao ser redutor nas suas palavras e nas suas frases marketeiras; ou as igrejas ao defenderem-se das farpas do escritor. Caim, que matou o irmão, não espelha os valores nem a complexa filosofia e o conhecimnto na Bíblia. Saramago, como, por certo, desconhece a Bíblia, ou só leu aquelas partes(inhas) que escolheu para alimentar a sua narrativa e construir o seu argumento ficcional, não sabe que uma geração passa, outra lhe sucede, mas a terra subsiste sempre. O sol nasce e põe-se e apressa-se a voltar ao seu lugar, donde volta a nascer. O vento vai em direcção ao sul, depois declina para norte; gira, torna a girar continuamente e recomeça as suas idas e vindas. E todos os rios entram no mar... A Bíblia, ao invés do que supõe o escritor, transcende a carnificina em que os partidos comunistas envolveram o séc. XX, vai também além dos incestos que preocupam Saramago, e ainda supera todas as violências de todo o género humano. A mim, por exemplo, sempre me fez confusão - sendo Saramago um defensor dos direitos humanos e das liberdades, o escritor nunca ter feito um romance sobre as miseráveis condições de vida a que o seu então amigo Fidel Castro, o lagarto de Havana, tem submetido o povo cubano desde a revolução da Sierra Maiestra, em 1959?! Num país onde ainda hoje se mata e manda matar por mero delito de opinião. Onde os escritores, como Saramago, são metidos na prisão por simplesmente afirmarem os seus pontos de vista. Isto deveria preocupar Saramago e por várias razões: porque foi amigo pessoal de Fidel Castro (um ditador), porque se diz um escritor cosmopolita e, portanto, com preocupações universais, e porque se trata duma luta do bem contra o mal, da imposição da democracia (inexistente em Cuba) sobre a ditadura disfarçada de democracia que raul castro, seu irmão e que conta com apoio do aparelho militar que o regime alimenta, de forma canhestra, tem dirigido. Tudo isto decorre sob a atmosfera de um povo humilde que deseja ardentemente a morte de Fidel, mas ninguém o admite nas ruas de Cuba. Estes seriam, certamente, temas, problemas e equações sociais que saramago poderia (e deveria) explorar nas suas narrativas e nas suas metalinguagens para vender os seus romances. Mas o escritor acaba por escolher outras abordagens. Tenho para mim que, de facto, o escritor só conhece aquelas partes da Bíblia que servem para industriar o seu novelo, e desconhece o essencial. E o essencial está patente na doutrina do Eclesiastes, o livro da sabedoria, quando se defende que o homem, qualquer que ele seja, deverá limitar a sua vaiadade, a sua imperfeição e moderar os seus desejos e ambições. Ora, Saramago na idade que tem e no estado já cadavérico que apresenta deveria fixar-se nesta doutrina e, nos dias que lhe restam, ater-se às verdadeiras causas da desgraça humana - que não estão dentro da Bíblia, mas nos corações dos homens, como no do seu amigo Fidel Castro que por ainda não ter morrido, e até é heresia dizer isto, tem subjugado milhões de cubanos à miséria, à fome e à degradação moral, intelectual e humana. Na prática, e por paradoxal que seja, a sobrevivência de Fidel em Cuba implica o adiantamento sine die da democracia, logo da perpetuação das condições materiais que mantém o subdesenvolvimento. Numa palavra, o escritor tinha outras guerras para travar, outras lutas por empreender, poderia ajudar a libertar a humanidade das grilhetas que alguns ditadores moribundos - como Castro - impõe aos homens, mas Saramago persegue outra rota, por seu ateu, fixou-se nos odiosinhos de estimação aos materiais religiosos e daí não consegue sair. E não saindo também não se consegue libertar. Saramago ainda não entendeu que tudo deve ser realizado a seu tempo debaixo dos céus, tudo tem a sua hora. O escritor, e lamentamos o facto porque é também o nome de Portugal que entra na liça, ainda não percebeu que, na vida, e citando mais uma vez o Eclesiastes, há tempo para nascer, e tempo para morrer; tempo para plantar, e tempo para arrancar o que se plantou; tempo para matar, e tempo para edificar...
<< Home