O desatino político de Belém tem um fundamento: o erro de paralaxe
Quando ocorre uma alteração da posição angular de dois pontos estacionários (Belém e S. Bento) relativos um ao outro enquanto vistos por um observador em movimento, dá-se o efeito de paralaxe. Trata-se, pois, duma alteração de um objecto contra um fundo devido ao movimento do observador. Ora é certo e sabido que Cavaco tem um perfil mais executivo do que presidencial, especialmente no nosso sistema político semipresidencialista em que o papel do PR é relativamente discreto e sem grandes poderes actuantes, além dos vetos e dos pedidos de fiscalização preventiva e sucessiva da constitucionalidade dos projectos-lei, das mensagens aos portugueses e das famosas presidencias abertas cujo modelo Cavaco copiou de Mário Soares. Além da intriga, naturalmente, que parece tem sido o prato forte de Belém, à falta de melhor praxis política. Isto decorre assim porquê? A nosso ver por causa do tal perfil executivo que Cavaco tem, da necessidade congénita em ajudar a sua incapacitada amiga, Ferreira Leite, a ser alguém no sistema político em Portugal, por um ódio de estimação (não assumido) a Sócrates, e, talvez razão mais importante (decorrente das anteriores), por um efeito de deslocação do actor-Cavaco Silva quando olha e procura intervir no sistema político que integra. Ou seja, Cavaco esquece-se frequentemente que já não é Primeiro-Ministro, com isso alteram-se as suas condições políticas, objectivas e subjectivas, e é essa circunstância de mudança de ângulo na avaliação dos fenómenos políticos e da relações de força que se estabelecem na arena política que alimenta o confusionismo que vai na cabeça do ainda PR. Ou seja, Cavaco percepciona uma mudança na posição com que vê a política, mas, na prática, não há mudança real, trata-se apenas duma mudança imaginária porque o actor-Cavaco - mudou de sítio: em vez de estar sentadinho no Palácio Rosa a ver diplomas e a cortar fitas pelo Portugal profundo, Cavaco tem-se armado aos cucos nos jardins do Palácio de Belém e começa a fantasiar: ele são escutas, ele é o apoio à sua amiguinha e ex-pupila Ferreira Leite, ele é receber os majistradaos e sindicalistas e demais corporações que estejam na red zone contra Sócrates. Cavaco, na prática, tem sido um mau presidente porque tem violado sistemáticamente os valores e os princípios que disse nortearem a sua conduta presidencial: isenção e imparcialidade. Já para não falar na tal treta da cooperação estratégica com o Governo. Cavaco tem sido o oposto: parcial e toma partido pelo PSD de Ferreira Leite. Facto que gera o descrédito junto do eleitorado que o elegeu e que já não voltará a votar nele. E se a mudança na cabeça de Cavaco aparece como real (pensando ele que é ainda PM, e não PR) tal pode resultar de um delírio do poder somado ao próprio efeito de envelhecimento e, acima de tudo, porque o observador-actor Cavaco e Silva mudou de sítio. E é esta falha de percepção lamentável resultante do erro de paralaxe que faz de Cavaco hoje uma espécie de homeless desnorteado da política em Portugal, a mesma que gera o efeito de descontinuidade que converte o PR no elo mais fraco e menos credível do sistema político nacional. Neste colete-de-forças em que o PR caíu pergunto-me se não seria mais eficiente o País aproveitar a onda dos dois actos eleitorais que se avizinham (legislativas e autárquicas) e inscrever na agenda mais um: as eleições presidenciais antecipadas. O que seria uma inovação em Portugal.
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