terça-feira

Cavaco Silva e o seu mapa político: a subversão do regime democrático

É em terra que se avalia a qualidade do mapa e não quando já se vai a caminho. Cavaco está agora a constatar que não consegue chegar ao destino, pois o mapa de que dispõe é um mau mapa, está mal sinalizado, as escalas não batem certo, os marcos estão trocados, as regiões confundidas. Daí a viagem estar a ser tortuosa e as baixas já se começam a fazer sentir no quadro daquilo que se poderá designar a mentira e a perfídia em política.

Cavaco mapeou o seu mapa para fazer duas coisas quase em simultâneo: destruir politicamente Sócrates e empurrar literalmente a sua amiga do peito, Manuela Ferreira Leite para o cargo de PM. Foi o que fez antes, durante e depois do congresso de Guimarães que entronizou Leite à força na presidência do partido, ainda que sem grande apoio das bases e até com muita contestação dos militantes e simpatisantes.
O episódio do afastamento de Pedro Passos Coelho das listas de deputados é bem conhecido e sintomático; revela os velhos métodos estalinistas de Ferreira Leite (quem discorda é marginalizado internamente, são purgas à Ferreira Leite); a hiper-protecção que Cavaco deu a Dias Loureiro no caso BPN também; tentou, por outro lado, cavalgar a crise financeira global sem se solidarizar com o Governo, como devia no quadro da sua cooperação institucional, ou dita cooperação estratégica, tudo para inglês ver.
Cavaco não fez nada do que prometeu, furou e borrou o mapa, cometeu erros de desenho, os ventos, para agravar a situação delicada em que Cavaco caíu, mudaram de direcção e hoje cospem Ferreira Leite e Cavaco para as margens da política, ambos acusados de mentirosos, ardilosos, co-autores de inventonas anti-governo e anti-democracia à boleia duma falsa e mal engendrada estória de espionagem algarvia com incidências e ressonâncias negativas na Lapa, sede do PSD de Ferreira Leite.
Cavaco, por outro lado, ficou ressabiado com a humilhação que sofreu com o Estatuto dos Açores e a comunicação do Verão, na véspera de férias dos portugueses denunciou esse desnorte. Sobretudo, quando o diferendo se deveria ter resolvido com o reenvio do diploma para o Tribunal Constitucional para aí serem expurgadas as normas alegadamente inconstitucionais do referido Estatuto autonómico.
Isto implica que Cavaco caíu em desgraça, na medida em que ele já não está em condições de poder concertar o seu mapa, os ventos, as marés, os referenciais e os desvios são tantos que já nada daquilo pode ser reparado. É como um barco à deriva, com o casco rebentado e a meter água por todos os lados, Cavaco bateu no fundo perante a credibilidade que tinha diante dos portugueses que o elegeram, está impotente para corrigir a rota: seja no caso BPN, que amanhã poderá ser reaberto, e aí lá aparecem comprometidos os seus amigos políticos e até familiares - tudo entrará na corda bamba; na colagem miserável ao PSD da sua amiga Ferreira Leite que nunca foi senão um apêndice furado e disfuncionado de Cavaco; em alguns vetos ao Governo, etc.
Cavaco percebeu que caíu numa represa de lodo e já começou a esbracejar para se salvar. Esse primeiro gesto traduziu-se na demissão do seu assessor de comunicação e depois remeteu-se ao silêncio, para ganhar tempo e engendrar mais umas declarações para tentar sair-se menos mal da estória de que foi o principal feitor.
O ainda PR, se for humilde, deverá perceber que já não pode reparar o mapa com detalhe, até porque foi por sua acção que o mapa foi desconjuntado e dessas intervenções não autorizadas e não registadas no código genético do sistema democrático português não há lugar para montagem de ciladas engendrado por um órgão de soberania contra outro. Envolvendo, lamentavelmente, ainda por cima, o Sistema de Informações da República que assim ficará mais exposto ao ridículo por parte dos seus congéneres europeus que poderão, doravante, não querer partilhar certas informações sensíveis acerca do que se passa na Europa que diga respeito aos interesses nacionais.
Cavaco, de facto, comportou-se como um out-of law, não atendeu a meios para atingir os seus fins políticos e pessoais: destruir Sócrates e colocar Ferreira Leite no poder a fim de teleguiar o Governo a partir do Palácio Rosa. Tudo isto é lamentável, até porque os portugueses têm todo o direito de se interrogar se o PR, que supostamente representa todos os portugueses, é capaz de montar ciladas destas ao Governo, à margem da lei e de tudo quanto é legalidade democrática, como poderá ele continuar a representar os mais elevados interesses do Estado intra e extra-muros?!
Cavaco não só se destruíu políticamente, perdendo o crédito que ainda tinha junto de algumas camadas da população mais idosa (que também servia de lastro a Ferreira Leite), como também contribuíu para falsear e distorcer as regras do jogo democrático com base nas quais a luta pelo poder deve ser jogado: com lealdade e transparência, e não subvertendo as regras, corrompendo o próprio regime democrático e lançando atoardas junto de outros órgãos de soberania, com a agravante desses enunciados se projectarem a partir de Belém em pleno contexto socioeleitoral.
Cavaco não tem, hoje, objectivamente condições para assegurar a manutenção do cargo até ao seu termo, e se Sócrates não o ajudar ele deverá imediatamente renunciar ao cargo.
Em nome da democracia pluralista e do rule of law em Portugal. E, já, agora, também em nome da sanidade dos portugueses que não se revêm nestes métodos políticos típicos do quarto-mundo.
PS: Por este andar quer-me parecer que em vez de dois actos eleitorais o país irá registar três. E todos serão convergentes nos resultados: Belém já há muito que precisa dum PR da área da Esquerda moderna, progressista e com cultura. Sócrates ganhará fácilmente a maioria relativa, podendo até granjear a maioria absoluta. Em matéria de poder local o PSD de Ferreira Leite irá também sofrer uma tremenda derrocada.
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Mandato de deputado de António Preto suspenso a partir de sexta-feira, TSF
António Preto vai ter o seu mandato de deputado suspenso a partir de sexta-feira quando falta um mês para o início do processo conhecido com o “caso da mala”. (...)
António Preto está acusado de falsificação de documentos e fraude fiscal qualificada, em co-autoria, num processo que ficou conhecido como o "caso da mala", que começará a ser julgado a 27 de Outubro, nas varas criminais de Lisboa.
Para além de alegadamente ter recebido 150 mil euros em envolopes e malas, em 2002, de empresários da construção civil, António Preto, junto com outros dois empresários, é acusado de ter causado um prejuízo ao Estado de 37500 euros.
O deputado integra as listas por Lisboa do PSD para as eleições legislativas de domingo, o que motivou fortes críticas à direcção do partido liderado por Manuela Ferreira Leite.