Viver responsavelmente - por António Vitorino -
in DN
Num estudo publicado recentemente chegava-se à conclusão que, nas últimas décadas, a comunicação social tem vindo a dar crescente relevo aos temas que têm uma repercussão mais directa nas condições concretas de vida das pessoas com especial relevo para a temática da saúde.
O melindre do tratamento público das questões de saúde situa-se na encruzilhada entre explicações técnicas que exigem rigor e detalhe e a necessidade de usar formas de comunicação directas e acessíveis ao conjunto dos cidadãos.
Nesta última década fomos confrontados com temas de impacto na saúde das pessoas abordados mais na base das percepções do que com fundamento em evidências científicas inatacáveis. Em muitas ocasiões fez-se apelo ao chamado "princípio da precaução", de molde a indicar que não havendo conclusões científicas irrefutáveis sobre dada matéria a avaliação de um seu potencial risco justificava a adopção de medidas de prevenção ou de restrição na utilização de produtos ou de substâncias.
Ocasionalmente esta análise do risco potencial implicou alterações nos hábitos de consumo e nas práticas quotidianas dos cidadãos. Durante a crise das vacas loucas assistiu-se a uma quebra do consumo da carne bovina e a medidas de abate e restrição de circulação tanto de animais como de carne para consumo. Outras crises alimentares ligadas a carneiros, galinhas e porcos em certos países levaram à adopção de medidas equivalentes.
A assumpção do risco e a resposta a dar-lhe foi paulatinamente entrando nos nossos hábitos quotidianos. O espectro da gripe das aves, há três anos, marcou um momento de viragem, na medida em que a campanha levada a cabo pela Organização Mundial de Saúde se traduziu num conjunto de alertas que (felizmente) não encontraram correspondente na realidade da propagação da doença. Alguns comentadores acharam que a OMS exagerou nesses alertas e que o resultado prático foi uma dessensibilização da opinião pública face ao risco de uma pandemia. Ora, sendo verdade que as projecções catastrofistas então adiantadas não se concretizaram, seria de todo errado subestimar os avisos e alertas das organizações internacionais competentes. O actual surto de gripe A bem o demonstra.
Com efeito, a interdependência do mundo em que vivemos e a liberdade de deslocação das pessoas criam condições de base para a propagação de surtos epidémicos que interpelam não só as autoridades de saúde à escala global mas também os comportamentos dos cidadãos individualmente considerados.
Os dois casos (gripe das aves e actual gripe A) permitem também às entidades públicas compararem as formas de comunicação que usam para lidar com estes fenómenos potencialmente pandémicos e chamam a atenção para a necessidade de as instituições de saúde se prepararem para prevenir e responder à sua eclosão em larga escala.
Do ponto de vista comunicacional cumpre registar uma evolução positiva na forma como se tem lidado com este surto de gripe mais recente face às situações antecedentes. Uma acrescida preocupação de explicação pública tem sido acompanhada por uma actuação decidida na criação de condições físicas e organizativas de resposta à pandemia. Até porque conter o alarmismo passa também por dar garantias de que os sistemas de saúde estão devidamente preparados para lidar com a doença nos seus vários estádios de evolução possível.
A cooperação internacional tem funcionado e espera-se continue neste caminho à medida que se aproxima o inverno no hemisfério norte. O debate sobre a produção, acesso e distribuição de medicamentos e de uma possível futura vacina coloca questões de equilíbrio e solidariedade planetárias delicadas e de difícil resolução. Nas próximas semanas ficaremos a perceber melhor se as soluções encontradas entre os interesses económicos dos fabricantes e as necessidades de interesse e saúde pública presentes estão garantidas de forma responsável e equilibrada.
Para além disto tudo a resposta estará sempre nas mãos dos cidadãos e dos seus comportamentos individuais. Porque viver responsavelmente é viver com mais segurança. Obs: Divulgue-se pelo manifesto interesse público.
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