quarta-feira

ONDE SE FALA DA IMPORTÂNCIA DO RISO

ONDE SE FALA DA IMPORTÂNCIA DO RISO João Miguel Tavares Jornalista -
A política portuguesa dá-se mal com o sentido de humor. O ministro Carlos Borrego foi corrido por causa de uma anedota, nos tempos em que Cavaco Silva era primeiro-ministro. O professor Fernando Charrua foi dispensado por andar a brincar com a licenciatura de José Sócrates. O gosto pelas piadas do ministro Mário Lino só lhe tem causado embaraços. E na semana passada o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, foi exercitar o seu sentido de humor para uma reunião do PS e levou pancada durante dois dias. Num país onde a asneira é livre, tentar pôr uma plateia a rir parece ser uma actividade mais arriscada do que comprar acções do Lehman Brothers.
Aliás, nem sequer é preciso tentar pôr uma plateia a rir. Jaime Gama - só para ficarmos com o exemplo mais recente - limitou-se a dizer que seria boa ideia que os deputados do PS fizessem o seu trabalho de casa para a próxima legislatura. O que, temos de convir, só pode despertar gargalhadas em quem já estiver a nadar em Raposeira. Ainda assim, Gama não escapou à traulitada do seu próprio partido. Ele devia saber o que o esperava: afinal, a Assembleia a que preside é sisuda como uma missa de sétimo dia. Abundam as tiradas sarcásticas, é certo, mas o sarcasmo tem uma natureza diferente da ironia: o seu primeiro objectivo é mandar abaixo e ridicularizar o próximo. Agora, rir de si próprio - como ainda recentemente riram nos Estados Unidos John McCain e Barack Obama, no jantar de caridade da Fundação Alfred E. Smith, ou a própria Sarah Palin no Saturday Night Live - e fazer rir os outros, é uma absoluta (e perigosa) raridade.
Já há um par de anos, Pacheco Pereira cunhou a expressão "engraçadismo", para responder à paixão pelo humor que ele encontrava nos blogues e que, a pouco e pouco, se tem estendido aos jornais. É um tema sobre o qual valerá a pena falar em pormenor um dia destes, mas não deixa de ser sintomática a resistência à entrada da ironia no espaço público, sobretudo quando estão em causa assuntos ditos "sérios". Lembram-se de Umberto Eco e de O Nome da Rosa, onde a hipótese teórica do riso de Deus era motivo para uma sucessão de assassínios? Em Portugal ainda estamos mais ou menos assim: há coisas com que não se brinca. E é uma pena que assim seja, porque uma sociedade que não se sabe rir de si própria é uma sociedade deprimida, infeliz e pouco inteligente. O riso é uma das características únicas da espécie humana e aquilo que nos separa dos outros primatas. Gente demasiado séria está mais próxima dos macacos do que aqueles que fazem macaquices. Mário Lino, Jaime Gama, trocistas nacionais - aguentem firmes. Vocês estão no bom caminho.
Obs: A única diferença do "engraçadismo" (segundo a expressão de PP) que hoje separa os jornalistas que o produzem e aqueles outros que o fazem na blogosfera é só uma questão de dinheiro. Os jornalistas ainda conseguem ganhar algum escrevendo nos jornais, os outros não. Mas também não é isso que os anima.