quarta-feira

Duarte Cordeiro "pinta" Ferreira leite a preto e branco

Duarte Cordeiro, cit., in Ideias a Mexer
Ver o mesmo artigo também publicado no Sol, aqui
Manuela Ferreira Leite a preto e branco
"Estou convencido que não vivo no mesmo século que a nova líder do PSD. Digo isto após ter ouvido as primeiras intervenções públicas de Manuela Ferreira Leite, nas quais defendeu que o país não precisa de investimento público, porque é pobre, que não precisa de TGV, porque é um luxo, que não fazem sentido casamentos entre pessoas do mesmo sexo porque o casamento tem como finalidade «a procriação». Ao contrário do que se tem dito, cabe ao PS, e à JS, fazer oposição a estas posições, evitando que se generalizem determinadas ideias de sociedade e de mundo.
Quando a nova líder do PSD defende a redução do investimento, o que ela está mesmo a defender é o recuo do Estado e do apoio social.
Porque, num contexto em que as exportações do nosso país diminuem visto que a procura internacional se reduz, o investimento é um multiplicador de crescimento económico e de emprego. A sua redução só pode implicar a redução de gastos do Estado. Ou seja, ao fim de três anos de redução do défice, que custaram muito a todos os portugueses, Ferreira Leite acha pouco. Acha que temos de cortar mais ou voltar a vender tudo e barato como recentemente o fez. Com uma crise internacional, provocada pelo liberalismo desregulado de quem pensa como o PSD, pretende uma economia portuguesa ainda mais liberal com menos Estado e menos apoios na Educação, Saúde, Protecção Social ou Emprego.
Manuela Ferreira Leite prefere ignorar a causa dos problemas, a subida dos preços fruto da especulação financeira e dos mercados livres, e aproveitar-se da subida do custo de vida das pessoas para, demagogicamente, anunciar que somos todos pobres. Podia ter falado a verdade, referindo que a pobreza diminuiu em Portugal, de 2004 para 2006, mas que continuamos a estar entre os países com maior desigualdade na Europa, mas preferiu a demagogia fácil.
Também se esqueceu da minha geração. Uma geração que fez inter-rail, que fez Erasmus, que sente que a Europa está longe. Uma geração que tem amigos com orientações sexuais diferentes, que assumem as suas opções com naturalidade. Uma geração que convive bem com a diferença e não aprecia a discriminação. Para nós o casamento entre pessoas do mesmo sexo é algo que mais tarde ou mais cedo acontecerá.
Existem muitas desigualdades sociais que têm de ser corrigidas. Acho que é possível ao Governo, e a José Sócrates, «agir por + igualdade». Apesar da crise internacional, e da necessidade de respostas globais para problemas como o preço do petróleo, temos de reforçar as nossas respostas sociais aos mais desfavorecidos, entre eles os mais jovens.
Mas vivo num século XXI a cores e não num século XX a preto e branco, em que, aparentemente, Manuela Ferreira Leite vive."
Artigo de opinião de Duarte Cordeiro no Semanário SOL - 12 de Julho de 2008
Obs: Quando a política se mete nas questões mais íntimas das pessoas as divergências na sociedade tendem naturalmente a multiplicar-se. É assim com a tentativa de regulação das novas relações dos homens e das mulheres entre si. Hoje, como se diz acima, temos amigos e amigas que se apaixonam por pessoas do mesmo sexo, e com eles pretendem casar-se, facto que coloca nas sociedades mais conservadores - como a nossa - um forte receio a essa abertura. Mas se virmos bem, o amor não é uma relação, mas um relacionar-se - como um rio que flui, sem fio, e, não raro, termina por desaguar noutro rio.
Hoje muitas pessoas apaixonam-se por outras do mesmo sexo, e à semelhança do que sucede com os casamentos heterosexuais, a maioria na nossa sociedade, com vista à procriação - (como diria a drª Ferreira leite) - essas pessoas também pensam em casar-se. Fazer um contrato legal que regule essa relação. Mas se pensarmos mais um pouco não conseguimos perceber por que razão a lei se converte em amor.
A lei torna-se amor porque o amor não está lá, tudo decorre duma fantasia, e todos nós, a partir duma certa idade, sabemos que as fantasias são representações fugases, fácilmente desaparecem. O contrato de casamento visa, precisamente, impedir que o amor que não está - saía de lá - e torne a relação previsível, segura, certa, certinha.
Contudo, a questão é bem mais complexa. Como a mulher que conhecemos ontem não é a mesma que existe amanhã, as pessoas são sistemas dinâmicos, e não coisas. Por seu turno, o homem com quem se dormiu ontem também já não é o mesmo hoje. Quer dizer, a mobília do quarto é a mesma, alguma até ganha bicho da madeira, mas as pessoas mudaram. E quando essa mudança atinge uma considerável fatia da sociedade a questão assuma uma dimensão política, e muitas delas redefinem a sua orientação sexual. E os agentes políticos, mais cedo ou mais tarde, terão de ser portavozes dessas novas tendências e dinâmicas sociais.
Resta saber se ao Direito - deve caber o papel de continuar a ser uma realidade normativa estática, ou terá necessáriamente de acompanhar essas mudanças sociais, desde que sejam acautelados o chamado bem comum, um outro cálculo que a dado momento a sociedade faz a fim de proteger valores e princípios que regem uma sociedade.
Seja como for, a questão é mais complexa do que a mera procriação e também não se afigura tão simplista quanto a opção que defende a abertura aos casamentos homossexuais tout court.
Uma coia é certa: a taxa de divórcio em Portugal é elevada, quase 50% das pessoas que contraem matrimónio divorciam-se anos depois. Será muito curioso, a tomar por adquirido que algumas destas opções mais liberais em matéria de casamentos ditos gays conquistam tradução normativa - seja avaliada daqui por uma década e depois comparada com a taxa dos divórcios dos casamentos clássicos/heterosexuais.
Porventura, para um economista estas questões apenas se colocariam na medida em que importaria saber qual o tipo de casal que contribuiria mais para o crescimento do PIB e da competitividade da economia nacional.