segunda-feira

Não basta crescer - por Francisco Sarsfield Cabral -

O sublinhado é nosso.
Não basta crescer, in Público
Sucedem-se as más notícias económicas. Em Portugal, na Alemanha, nos Estados Unidos e também em Espanha. O “fantasma da crise portuguesa”, como lhe chamou um artigo no El País do passado dia 7, já assusta uma Espanha em forte travagem económica.
“Sete anos de crescimento raquítico à beira da recessão” colocaram Portugal num patamar de riqueza bem abaixo da Espanha, cuja economia cresceu, e muito, 14 anos sem parar. Só que o notável crescimento espanhol não foi suficiente, não apenas para evitar agora alguma estagnação (são normais os ciclos em economia), mas sobretudo para garantir o futuro. Não foi um crescimento sustentado.
Os economistas espanhóis ouvidos pelo El País apontam um problema de fundo: a Espanha perdeu 10% na competitividade face aos seus parceiros no euro, desde que surgiu a moeda única. E a inflação espanhola está nos 5%, o que não ajuda a competir.
Estimulada por uma subida vertiginosa dos preços das casas (agora em queda), a expansão económica espanhola assentou demasiado na construção. A Espanha apostou pouco na indústria exportadora, na tecnologia, na produtividade. Os responsáveis “não perceberam que o crescimento espanhol resultava do juro baixo do crédito, derivado da entrada no euro, e abriram alegremente as portas a um alto consumo e a uma expansão económica tão elevada como insustentável no tempo. Teria sido preferível um crescimento menor mas mais sustentado” - palavras do economista José Luís Feito, da confederação patronal CEOE.
Cito este artigo do El País para, uma vez mais, deplorar que o debate em torno da evolução da economia portuguesa quase sempre se concentre no curto prazo e na mera taxa crescimento. Os espanhóis estão bem melhor do que nós, claro, apesar da crise actual da sua economia (que também nos afecta, e de que maneira). Mas o caso espanhol evidencia que há vida – e morte – para além do crescimento e não apenas para além do défice, que Espanha não tinha.
Em vez de andarmos só a discutir décimas na evolução do PIB (que têm a sua importância, sem dúvida), importa reparar naquilo que se faz, ou não, quanto aos alicerces de um crescimento sólido. Há indicadores péssimos. Um deles é a justiça em Portugal, desgraça que se arrasta há anos e anos e parece apenas piorar. Outro sinal desastroso, também ultra-conhecido, é a educação, onde figuramos no fundo de quase todas as tabelas internacionais, depois de inúmeras reformas. E é baixa a produtividade portuguesa – da qual, ao fim e ao cabo, depende o nosso nível de riqueza, através da capacidade de concorrer no mercado global.
Sofremos, ainda, de falta de autoridade do Estado, cada vez mais dominado por interesses corporativos e ainda pouco modernizado. E há a corrupção, que parece não existir empenho em combater. Entretanto, continua a tendência nacional para manter padrões de consumo incompatíveis com a nossa actual capacidade produtiva. Apesar do pessimismo dos portugueses e de ser mais caro, o crédito ao consumo aumenta a mais de 10% ao ano. O enorme endividamento das famílias, das empresas, dos bancos e do Estado leva o FMI a dizer o óbvio: “Portugal vive acima das suas possibilidades há muitos anos”.
Mas há a outra face da moeda, do ponto de vista estrutural. Ao contrário do que diz o Governo, ainda não resolvemos o problema das finanças públicas desequilibradas, mas avançou-se nesse sentido. A reforma da Segurança Social foi um passo positivo. E sobretudo esboçou-se uma viragem no perfil estrutural das nossas exportações de bens e serviços, no sentido de se basearem, não na mão-de-obra barata, mas em maior valor acrescentado, com mais incorporação de tecnologia. Por exemplo, as exportações de serviços a empresas já ultrapassam as exportações têxteis.
Na produtividade também houve progressos recentes, sem os quais não teriam crescido as exportações de bens e serviços. Até que ponto a presente crise irá pôr em causa essa e outras melhorias estruturais? No défice orçamental, com a estagnação económica a travar a receita fiscal, há o risco de o Governo ceder a tentações na (não) contenção da despesa.
Nos dois próximos anos o nosso nível médio de vida não irá melhorar. Importa, ao menos (mas é o essencial!), salvaguardar os tempos futuros. O problema é que isso não dará dividendos políticos em 2009, ano de três eleições.
Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: Um quadro preocupante descrito por FSC, mas a vida sempre foi uma "guerra" permanente: inicialmente à paulada, depois aos tiros e, agora, mais modernamente, no campo da concorrência empresarial. Enfim, a vida do homem - assim como a história do Estado (segundo Maurice Duverger - que a atribuía à história do imposto) sempre resultou desses interesses humanos contrapostos com especial incidência no terreno das realidades - micro e macro-económicas. Dantes (ao tempo de Bismarck - (que inventou a segurança social) dizia-se: ou há canhões ou há manteiga. Fez-se a guerra e protegeram-se as famílias com o take-of dos direitos sociais.
Hoje os Estados, as empresas, as famílias e as pessoas querem tudo ao mesmo tempo, dinamizando um ciclo hiperconsumista que não tem sustentabilidade nas suas contabilidades. A semana passada, por exemplo, soube-se que os portugueses para adquirirem o telemóvel Iphone da Apple que custa 100 cts - esgotaram as inscrições no pré-registo. Agora as pessoas também se inscrevem préviamente para adquirirem telemóveis, como se de uma operação às cataratas se tratasse. Também isto é novidade...
Infelizmente, ao invés do que dizia a escola liberal da mão-invisível de Adam Smith - a oferta não se ajusta automáticamente à procura, a mão-invisível é um mito (e só é aplicável nos casos de concorrência perfeita, ainda raros em Portugal) e a vida continua a ser aquilo que sempre foi: os tubarões a comer as bogas e os chernes. Grave é quando os chernes se convertem - eles próprios - em pequenos tubarões.
Ante a desgraça, até apetece perguntar, como Lenine - Que fazer?
Aumentar a produtividade, estancar o consumo não reprodutivo e, como diria o outro: aguentar firme e hirto...