terça-feira

O crime do tempo é oculto e conduz à impunidade. Mais um crime sem castigo

Ao ver este casal sinistro, que durante meses a fio dava conferências de imprensa de mãos dadas, parecendo até trocar mensagens entre eles, sinais estranhos de wait & see como quem programa respostas a dar ao jornalista - não sei bem o que hoje hei-de pensar da injustiça de todo o caso - e daqueles com que este se pode, naturalmente, comparar:
- se deva perguntar por que razão certos indivíduos cometem crimes?
- ou por que razão a maioria das pessoas respeita a lei?
Seja como for uma pessoa, ainda criança, foi privada da sua vida habitual com os seus pais. Desapareceu e ainda sobrevive, ou fizeram-na desaparecer com o fito de ocultar o seu cadáver.
Para "consumo pedófilo" - permita-se-me a expressão, já não dava, pois uma criança cuja imagem correu mundo e com um sinal tão distinto na vista - tornava-se fácilmente um semáforo que sinalizaria o local do(s) seu(s) predador(es), e nesse risco nenhum pedófilo, por mais estúpido que fosse, poderia incorrer. Questionando e fazendo perigar toda essa rede - que, consabidamente, se protege mutuamente para aumentar a eficácia das suas "caçadas" selvagens (futuras).
Portanto, quanto à vida da criança..., as probabilidade de ainda se encontrar viva são, de facto, diminutas. Viva, ela representaria um perigo suplementar para quem a tivesse a seu cargo. Morta compromete toda a Justiça portuguesa, precisamente a mesma que não mexeu uma palha para investigar muitos outros casos de crianças desaparecidas em Portugal. Na altura parece que não havia meios, nem câmaras de tv, nem jornalistas. Nada. Na altura eram todos uns idiotas, hoje uns génios...
Por que razão a Justiça nacional e a PJ - e, por extensão, os media - se calaram perante o mesmíssimo crime quando os pais das crianças desaparecidas eram e são portugueses e, perante, um casal inglês - a PJ mobiliza meios e recursos de valor incalculável?
Este, aparte do valor duma vida que não tem preço, é, talvez, o maior crime contra a Justiça nacional, contra a PJ dirigido pela opinião pública e publicada da terra de Sua Majestade.
Saímos todos mal na "fotografia":
- a menina que não é encontrada (nem sequer o seu cadáver para se lhe poder fazer um funeral condigno) e poder ser velada num cemitério com geografia fixa, conhecida dos seus familiares e amigos;
- os pais da menina - autores de condutas atípicas e irresponsáveis - enquanto pais. Portugal teve azar em os acolher para passarem as suas férias;
- o sistema judicial entrou em convulsão, denotando um saber pouco especializado, com uma liderança fraca e errática - que mudava consoante o sentido dos ventos que sopravam do Gabinete de Tony Blair e até do Vaticano - que recebeu os pais de Maddie, mas não teve a coragem de receber as centenas de outros pais que passaram pelo mesmo tipo de crime, mas com maiores dificuldades e privações económicas - resultantes de não terem dinheiro, status nem acesso aos media como se verificou - por excesso - no caso Maddie. Só por essa razão este papa - não merece o paraíso. A sua insensibilidade social votá-lo-á às trevas da sua própria (anti)razão.
- a PJ deu de si uma imagem de fragilidade e de incompetência global, incapaz de preparar e conduzir investigações mais complexas que exigiam um saber mais especializado e globalizado. A delegação da PJ de Portimão - apesar de se situar no Allgarve - (região turística por excelência) demonstrou que nem um agente preparado para falar inglês tinha ao seu dispôr para articular informações com os media. Lamentável. Podem agora inscrever-se nas "novas oportunidades".
Pergunto-me com que cara, com que lata amanhã todo este aparelho de decisão nacional olha para os pais das crianças portuguesas alvo do crime furtivo dos pedófilos transnacionais? Os mesmos que a PJ, o Ministério Público e os media deram pouca ou nenhuma atenção, ou para ele concitaram meios e expertise a fim de descobrir o seu paradeiro e resgatar essas crianças desparecidas.
Esse deve ser o crime maior em todo este embróglio. O crime da omissão, da negligência, do não fazer - podendo fazer algo. E, já agora, chame-se à pedra também os media nacionais, em particular os incompetentes e os insensíveis dos directores de informação, jornalistas, repórteres que passaram a vida a parasitar os aspectos mais recônditos e sórdidos do caso Maddie (para vender papel, claro está, além da apetência pelo abismo confeccionado com muito sangue) e não foram capazes de dar a devida cobertura mediática ao caso Rui Pedro, por exemplo - que já desapareceu há uma década. Que palavra terão as autoridades nacionais a dar aos pais do Rui Pedro e aos demais pais que ainda hoje enfrentam igual sentimento de perda e de revolta pela privação inexplicável dos seus filhos?!
Crianças, adolescentes, adultos, idosos morrem em todo o lado e a toda a hora. Mas quando se faz o paralelo da mobilização dos meios e da cobertura que se depositou no caso Maddie - por contraste à omissão generalizada nos demais crimes de pedofilia cometidos em Portugal nos últimos 10/15 - o fosso é tão grande que isso, só por si, configura o maior dos crimes que a PJ, a Justiça e os media portugueses têm cometido - por omissão - nos últimos anos em Portugal.
Perguntamo-nos como reparar um crime desta natureza!? Como proteger e acautelar situações futuras deste tipo de crime hediondo em Portugal? Que ajustamentos internos deve a PJ fazer para, de futuro, ter uma conduta investigatória mais eficaz e mais eficiente?
Por último, convém ter consciência de que este tipo de crime é potenciado pelo crescimento da riqueza, relacionado com o aumento da circulação de pessoas, bens e uma aparente aceleração da liberdade que, por seu turno, multiplica também as oportunidades do crime. Ou seja, é pacífico aceitar que a expansão do tráfico de droga está directamente relacionado com a abertura das fronteiras. Já o caso Maddie - foi empolado da forma como foi porque se tratou de um caso transnacional oriundo de um casal de classe social alta, com conexões estreitas ao poder e com grande e rápida capacidade de mobilização de recursos financeiros a que os media não ficaram alheios (até para fazerem o seu negócio) - que estiveram na razão inversa da hesitação das autoridades nacionais, mormente a PJ de Portimão - que deveria ter cedido o passo rápidamente a verdadeiros experts desse tipo de crime.
Em função deste quadro negro - todos nos perguntamos o que poderemos fazer para o futuro a fim de prevenir este tipo de crime nas nossas sociedades?
Três linhas de actuação, que diferem entre si pelos seus actores, lógica e contextos. Na primeira há que mobilizar os controlos informais através dos pais, dos amigos e dos colegas que pressionam os outros no sentido da conformidade dos valores que regem a sociedade. A 2ª linha de acção resulta da prevenção situacional, assente na protecção de pessoas e bens nos próprios espaços onde os delitos têm maiores probabilidades de ocorrer. A 3ª linha remete-nos para o próprio arsenal das sanções penais impostas e executadas pela aplicação da lei e da força pública.
Mas será que vimos algumas destas três grandes linhas de actuação no caso Maddie?! Óbviamente que não. Os pais, desde logo, deram um péssimo exemplo ao jantarem com os amigos e deixarem os filhos a dormir num espaço que não era comum; e as autoridades foi o que se sabe.
Julgo que o papel do legislador, doravante, terá de ter mão pesada para desincentivar os pedófilos a reincidirem no crime. Pois trata-se de um crime hediondo, e, por essa razão, jamais deveria ser um crime inimputável, ou seja, um crime que em nenhuma circunstância deveria ficar sem castigo.