VOLTE SEMPRE, SENHOR PRESIDENTE!
VOLTE SEMPRE, SENHOR PRESIDENTE!, dn
Mário Soares
1 . O Presidente francês é um político errático, que parece incapaz de estar quieto, para reflectir, e que muda de local com a mesma facilidade com que muda de ideias ou de estratégias.
Por outro lado, parece gostar mais de ter à sua volta a comunicação social - e os seus amigos multimilionários - do que os políticos, quer sejam seus pares, a começar pelo primeiro-ministro, quer seus conselheiros. Os seus conterrâneos, imbuídos ainda hoje do que resta do espírito cartesiano, lógico, racionalista - e da ideia "de la grandeur de la France" e de Paris, como o centro do mundo (que já não é) - estão a ficar cada vez mais chocados com a falta de autocontrolo, devido ao seu estatuto e ao respeito pela função de Chefe do Estado. As sondagens não enganam e não param de descer.
Na semana que findou, o imparável senhor Sarkozy resolveu fazer uma visita oficial, de 38 horas, com pompa e circunstância, ao Reino Unido, para beneficiar do prestígio e da distância cordial de Sua Majestade a Rainha, com meio século de experiência. Vinha a calhar... Fez-se acompanhar, naturalmente, de sua belíssima esposa, procurando tirar partido do seu incontestável charme, discreto, um tanto tímido, como a circunstância aconselhava.
Contudo, os tablóides ingleses, implacáveis, traíram-no. Publicaram, com o maior destaque, fotografias da antiga top model e actual primeira dama, quase nua, com os seus encantos bem à vista. O que não deve ter chocado nada os britânicos, antes pelo contrário, mas que deve ter ferido o orgulho gaulês, do outro lado da Mancha, onde se esperaria outro recato.
Claro que os jornais não se calaram, mesmo os mais circunspectos, e as fotografias, tão apetecidas, deram a volta ao mundo. "Volte sempre, senhor Presidente", escreveram os jornais do Reino Unido, à laia de despedida. E acrescentaram: "Desde que venha acompanhado da sua encantadora esposa..."
Mas a viagem de Sarkozy ao Reino Unido - e ao seu par, muito menos mediático, Gordon Brown - teve outra vertente, bem mais séria: a política. No discurso feito por Sarkozy, perante as duas Câmaras, excedeu-se em elogios ao Reino Unido e ao seu "modelo democrático". Propôs a recriação de algo mais íntimo ainda do que a entente cordiale, entre a França e o Reino Unido, um projecto triangular que passa pelo Atlântico, se bem entendi, cujo vértice principal estará em Washington. Pobre De Gaule, por que águas quer navegar o seu putativo herdeiro...
Sabendo-se que o motor franco-alemão parece estar em panne e que as relações entre a senhora Merkel e Sarkozy não serão as melhores, as palavras de mel devem ter caído bem em Londres, claro. Mas... e na Europa? E em Berlim?
Ora a Europa, que, como tenho escrito, ainda não conseguiu sair do impasse em que está há anos, apesar de, formalmente, o Tratado de Lisboa ter sido subscrito, mas não ratificado, por todos os 27 membros da União, não ficará nada fortalecida com essa paixão súbita de Sarkozy pelo Reino Unido. Bem pelo contrário...
No momento de incerteza - e de crise - que o mundo atravessa, a Europa mereceria ter políticos mais corajosos e prudentes, capazes de fazer a construção europeia avançar a sério, com o motor franco-alemão a trabalhar em pleno. E não - como Sarkozy - políticos que, pela sua incoerência e permanentes improvisações, possam mesmo sem o desejar arrastar a Europa para perigosas aventuras e, ainda por cima, sem trazer nada de bom para a França.
2.Atenção ao Kosovo. Os Balcãs são, desde sempre, uma das regiões da Europa politicamente mais delicadas e problemáticas. A proclamação unilateral da independência do Kosovo - ainda que possa ter sido desejada e justa, foi inesperada e imprudente. No quadro de uma iniciativa de adesão simultânea à União Europeia não teria sido difícil consegui-la. Mas assim, quando alguns países membros da União, de fresca data, já a apoiaram, sem consulta prévia dos seus outros parceiros europeus, pode representar um risco grave. Por isso achei bem que o Governo português, antes de se pronunciar, tenha esperado para poder ouvir a Comissão Europeia, os seus parceiros e as razões das duas partes envolvidas.
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