Mais um ano: mais uma repetição a caminho do óbvio, o fim ou a sua antecâmara. Temos de esperar
Suponhamos que existisse no universo um planeta no qual fosse possível nascer uma segunda vez. Ao mesmo tempo, nos lembraríamos perfeitamente da vida que tínhamos na Terra; de toda experiência que teríamos aqui adquirido. Talvez existisse um planeta em que se nascesse uma terceira vez, com a experiência de duas vidas já vividas. E, talvez, um outro planeta e outros mais, em que a espécie humana renasceria, subindo cada vez um degrau a mais (uma vida) na escala do amadurecimento. Nós, aqui na Terra (no planeta número um, no planeta da inexperiência), podemos ter apenas uma idéia muito vaga daquio que acontece com o homem nos outros planetas. Teria ele mais sabedoria? Estaria a maturidade a seu alcance? poderia atingí-la através da repetição? É só na perspectiva dessa utopia que as noções de otimismo e pessimismo fazem sentido. O otimista acredita que a história humana será menos sangrenta no planeta número cinco. O pessimista é aquele que não acredita nisso.
A Insustentável leveza do ser - Milan Kundera
Obs: Poderíamos aqui fazer a contabilidade do deve e haver do ano em matéria política, económica, social e tirar da cartola a grelha do passivo e do activo constante dessa miserável conclusão. Mas creio tratar-se dum exercício banal, rotineiro, oco, sem acrescentar valor acrescentado às nossas ânsias, expectativas, projectos, sonhos e objectivos. Pois tudo é vaidade e vento que passa, como diria o Eclesiastes. Tudo é imperfeito nas coisas humanas, portanto, o que se impõe nesta vida é uma moderação da ciência humana, dos nossos desejos e ambições, senão fazemos a mesma figura de um Santana ou de um Meneses, o que é de evitar.
Dentre em breve abrir-se-á o Ano de 2008, e mais uma vez o sol nasce e põe-se e apressa-se a voltar ao seu lugar, donde volta a nascer. Todos os rios entram no mar, e o mar não transborda. Reunimos sabedoria, mais do que todos aqueles que nos precederam, estudamos muito, blogamos imenso, analisamos as acções do governo, da oposição, intra e fora de muros, da economia à sociedade passando pelo ambiente, mas, no nosso espírito, a loucura e os desvarios são sempre os mesmos. Com mais ou menos inflação, com mais ou menos desemprego, com mais ou menos impostos, com mais ou menos ataques terroristas, com mais ou menos poluição, com mais ou menos guerras no sistema internacional - tudo isso nunca deixa de ser vento que passa. Porque, em rigor, na sabedoria que nos anima, há também muita tristeza, e o que aumenta a sua ciência não deixa de aumentar (também) a sua dôr. Eis o eterno retorno que um dia nos há-de matar a todos, porque nesta vida também já vimos partir tantos dos nossos amigos que, muitos em tenra idade, quando chegar a nossa vez da chamada, até a vontade de sucumbir já desapareceu. O chato da vida é que já nada nos surpreende, pois tudo se repete a uma cadência, a um calendário mais ou menos fixo e rígido. Sem surpresas. Nós só temos de esperar pela hora de chamada nessa tal Estalagem de que falava o Pessoa - que ainda não "morreu". Porque, em rigor, nada mais nos resta fazer, senão esperar. E o ano de 2008 - pode ser mais um ano de vida, mas também pode ser um ano de morte, de riqueza mas também de miséria, de progresso espiritual, mas também de retrocesso e de fragmentação. Pode ser, afinal, o que Deus quiser, e eu temo tantas vezes que Deus já não pode..., nem com uma "gata pelo rabo". O ano novo espreita, com as rotinas e as limitações do costume. Preparem-se, portanto, para as habituais repetições. Basta olhar para os ponteiros de um relógio para se perceber melhor esta circularidade do tempo. E por vezes os ponteiros até já estão calcinados, só que o tempo, fora do mostrador, não pára. E na impossibilidade de o Homem "congelar" a dinâmica do tempo, só lhe resta continuar a fazer aquilo que sempre fez: esperar...
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