À espera de Lisboa - por Rui Tavares -
À espera de Lisboa (Público Ass.)
10.07.2007, Rui Tavares
Pela primeira vez na história da espécie, este é o ano em que mais de metade da população humana viverá em cidades. Ter eleições em Lisboa neste ano, e com o destaque que elas têm tido, deveria ser mais do que uma coincidência interessante. Temos aqui uma ocasião para pensar em cidades no sentido mais geral, desde logo porque a maior parte dos nossos problemas políticos são problemas de cidades. Mas também por outra razão a que já me referi: com a diluição das fronteiras nacionais, as cidades são cada vez mais motor das economias nacionais. No número mais recente da revista Monocle publica-se um ranking das 20 melhores cidades para viver no mundo (critérios: mobilidade, crime, ligações aéreas internacionais e outros mais subjectivos como beleza, vida cultural e tolerância). Munique ficou em primeiro lugar, seguida de Copenhaga e Zurique. Espanha colocou duas cidades na lista: Madrid em décimo lugar, Barcelona em décimo oitavo (apesar do crime). E Lisboa? Nas palavras dos organizadores, "não chegou lá": ficou fora da lista, na companhia de Roma e Antuérpia, para dar dois exemplos, algures entre o lugar 20 e 30. De todas diz a revista que "oferecem boa qualidade de vida". Dado o estado de abandono político de Lisboa, esta classificação é simpática, reflectindo o potencial "natural" da cidade. Mas poderia estar francamente melhor. Com melhorias sensíveis na rede de transportes públicos, nas áreas verdes ou na habitação, Lisboa pode tornar-se muito mais agradável para viver e entrar na primeira divisão de cidades globais. A qualidade de vida não é hoje apenas um direito; é também uma vantagem competitiva. Não é por acaso que as megalópoles, excepto Tóquio que ficou em quarto, não aparecem na lista da Monocle. Os mesmos factores que diluem as fronteiras tornam a proximidade das megalópoles menos relevante. Cidades médias à escala global, como Amesterdão e Barcelona, tornaram-se pólos magnéticos de uma comunidade de profissionais que, graças à Internet, pode trabalhar em qualquer ponto do mundo e escolhe o seu lugar não em função da proximidade de indústrias mas da qualidade de vida. São pequenas empresas de programadores informáticos, designers, jornalistas. São líderes de tendências e canais de divulgação das próprias cidades, o que quer dizer que (a médio prazo) trazem outros como eles. E o que querem eles numa cidade? Cultura, tolerância, conforto, pouco crime, bons espaços verdes, segurança rodoviária, mobilidade, ligações ao resto do mundo. Uma vez que se instalam e moram efectivamente na cidade, são um melhor grupo para avaliar da sua qualidade do que os turistas. Os turistas vêm por poucos dias, e depois só alguns regressam. Lisboa, por seu lado, tem sofrido uma evolução inquietante: ao mesmo tempo que cresceu no plano turístico, tornou-se mais inabitável para quem nela vive. Pelo contrário, Lisboa deve em primeiro lugar tornar-se uma cidade agradável para viver, mais do que para visitar. Uma cidade que se faz pensando assim corre o risco de se tornar numa cidade passiva. Mas ao procurar soluções para uma Lisboa activa, encontraremos soluções para Portugal. Historiador Obs: Divulgue-se pelo interesse público da matéria.
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