Lições do Compromisso Portugal
Lições do Compromisso Portugal
“É da sociedade civil, da actuação individual ou conjunta de certos cidadãos e movimentos, que tem agora de surgir a força para ser quebrado o ciclo vicioso em que nos encontramos”, escreveu António Carrapatoso no livro Revolucionários, publicado pelo Compromisso Portugal. Principal rosto deste movimento, Carrapatoso logo acrescentou que “não será fácil”.
Basta, aliás, olhar para a curta história deste movimento para se perceber como a sociedade civil portuguesa aprecia pouco que a valorizem. O Compromisso foi alvo de todas as críticas. Instauraram-se processos de intenção às suas personalidades, acusadas de ânsia de protagonismo. Nada irrita mais o cinzentismo nacional do que alguém que dá nas vistas. E, tratando-se sobretudo de gestores e empresários, logo o português esperto concluiu haver ali interesses económicos ocultos.
Mais grave, a gente do Compromisso foi acusada de arder em ambição política. Uma acusação que, compreensivelmente, caiu bem em parte da nossa classe política – naqueles que nunca fizeram mais nada na vida e se sentiram ameaçados por quem possui uma carreira profissional de sucesso. E alguns políticos digeriram mal verem surgir um grupo de empresários dando a impressão de quererem mandar no país.
O movimento declarou-se informal e sem uma doutrina própria – quem nele participa pode subscrever ou não as ideias expressas pelo Compromisso Portugal. Mas é evidente estarmos perante liberais. Ora posições liberais é algo que a sociedade portuguesa nunca tolerou. Por isso as iniciativas do movimento foram desvalorizadas com um insulto hoje em voga: neo-liberais.
Ainda por cima, o Compromisso não se limitou a criticar, a dizer o que julgava estar mal. Atreveu-se a fazer propostas concretas. Algo pouco usual entre nós, por isso incómodo para a prática corrente do comentário político e económico.
O movimento nasceu em Fevereiro de 2004 com uma convenção no Beato, em Lisboa. Depois, realizou uma segunda convenção e promoveu vários estudos, como a avaliação dos programas do PS e do PSD para as eleições de 2005 e do programa do Governo socialista que delas emergiu. Há dias o Compromisso Portugal apresentou uma análise crítica sobre o “estado da governação”, com numerosas sugestões para a segunda metade do mandato do Governo Sócrates.
Ou seja, a hostilidade do meio ambiente não parece ter desanimado o movimento, que permanece vivo e em pouco mais de três anos produziu material de inegável interesse sobre a vida nacional. Não foi apenas um fogacho, como há tantos por aí. Por isso o Compromisso Portugal merece o nosso respeito, concorde-se ou não com muitas das suas ideias. Eu discordo de algumas, mas gosto de ter participado na sessão inaugural da primeira convenção.
É que iniciativas como esta são raras entre nós. Típico da nossa sociedade civil, quando se aventura a propor qualquer coisa, é ficar na sombra. Como agora aconteceu com a maioria dos financiadores do estudo sobre a hipótese de um aeroporto em Alcochete. A sociedade civil portuguesa gosta de ser fraca e dependente do Estado.
Por sua vez, o Governo não sabe lidar com a sociedade civil. Oscila entre o autismo, não explicando nem justificando cabalmente as medidas que toma (veja-se a saúde), e o populismo, de que é exemplo paradigmático o fim dos dois meses de férias judiciais, anunciado pelo primeiro-ministro logo na posse.
Não sendo capaz de mobilizar pela positiva a opinião pública em torno das reformas que lança, o Governo limita-se a sugerir demagogicamente bodes expiatórios para tentar conquistar algum apoio – os juízes, os professores, os funcionários públicos, etc. Como se lê no documento do Compromisso Portugal sobre o “estado da governação”, o Governo não tem aproveitado a sociedade civil.
De facto, “o Governo não pareceu suficientemente interessado em encontrar formas e meios de explicar convenientemente os benefícios que se poderão alcançar a médio e longo prazo de medidas que, no imediato, terão um efeito gravoso”. O problema também está em que uma saudável relação do Governo com a sociedade civil exigiria evitar “um clima que leve os cidadãos a temerem qualquer tipo de retaliação, directa ou indirecta, por expressarem livremente as suas opiniões”. Infelizmente, é esse clima que o poder político parece querer alimentar.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Divulgue-se pelo realismo analítico.
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