domingo

A sinceridade de Freitas do Amaral. Um homem livre de costelas arranjadas. A ideal-politik

Entrevista a Diogo Freitas do Amaral (ex-ministro dos Negócios Estrangeiros): "Bati-me pelo referendo e hoje estou arrependido" ANA SÁ LOPES E JOSÉ FRAGOSO (TSF) NUNO FOX (imagem)
Se a presidência portuguesa chegar a um texto final com vista a um tratado, Portugal deve referendá-lo? Acho que tanto o senhor Presidente da República como o senhor primeiro-ministro têm toda a razão ao dizer que só depois de se conhecer o conteúdo do texto e de saber se há consenso acerca desse texto, é que podemos racionalmente decidir se há ali matéria de transferência de soberania que implique politicamente a necessidade de fazer um referendo. Acho que pessoas como o dr. Marques Mendes e outras, que andam a dizer que já se sabe perfeitamente qual será o conteúdo do tratado e que já se pode decidir que tem que haver referendo, estão redondamente enganados.
Não concorda que o acordo político alcançado em Bruxelas transporta uma grande parte da anterior Constituição?
É o que está por ver. O acordo versa sobre menos de 10% do que estava no anterior tratado. Vamos ver agora que texto é que vai sair. E vamos ver se a Polónia, ou qualquer outro país, não rói a corda no último minuto. Não está nada conseguido nem está nada sabido. Ninguém pode adivinhar neste momento se Portugal consegue fechar o acordo e quais vão ser as novas cedências que se vai ter que fazer para contentar os mais radicais, como a Polónia e porventura outros. Não esqueçamos a posição de Grã-Bretanha, que é muito anti-europeísta. Quando a Polónia diz que está satisfeita, a Grã-Bretanha diz que está contra. Quando a Polónia faz o seu número de exageros, a Grã-Bretanha cala-se muito caladinha e deixa o serviço mais sujo para ser feito por outros.
Pode haver justificação política para o texto não ser referendado. Mas será fácil explicar isso ao eleitorado?
Quando se souber que há texto e qual é o conteúdo, estaremos em condições de poder decidir. Se houvesse novas transferências de soberania para a União Europeia eu seria, em princípio, favorável ao referendo. Agora, se não houver, e eu presumo que não vai haver, então não vejo porque é que há-de haver um referendo.
Já houve grandes transferências de soberania na União Europeia....
Pois houve. Mas essas não foram referendadas. E agora vamos referendar um tratado que não tenha transferências de soberania? Não tem lógica nenhuma. Contra isso, costuma-se alegar - é uma argumentação demasiado fácil - que isto é uma promessa do Partido Socialista e está no programa eleitoral.
E é um facto que está.
Mas a campanha e o programa eleitoral foram feitos em 2005 quando o tratado que se conhecia era um tratado com imensas transferências de soberania. Como esse projecto morreu e vai-se fazer um tratado muito simplificado, muito reduzido, quase só com regras de funcionamento das instituições comunitárias, não é legítimo querer vincular o PS à promessa de fazer um referendo quando essa promessa tinha em vista um texto completamente diferente. Perante este, pode chegar-se à conclusão de que não justifica um referendo.
Quando a Europa avançou com os referendos começou a "empatar". Não há a ideia de que os cidadãos acabam por votar por questões internas e isso não fará com que os referendos europeus estejam condenados? Tem toda a razão. Eu que durante anos e anos me bati pela inclusão do referendo na Constituição portuguesa hoje estou arrependido. Verifica-se, mesmo nos países com mais experiência democrática, como é o caso da França e da Inglaterra, que a maior parte dos cidadãos, quando vota num referendo, se não há um problema dramático, e um tratado internacional deste tipo nunca é um problema dramático, as pessoas votam muito mais em função das razões de política interna do que em função do texto internacional que, provavelmente, mais de 99% da população nunca leu nem lerá. Estamos a assistir àquilo a que se chama um desvio: o procedimento do referendo está concebido para se conhecer a vontade popular sobre um assunto e a vontade popular vai-se manifestar sobre assuntos diferentes. É uma perversão.
Defende a cidadania global e que um dia se chegue a uma fase da evolução da Humanidade em que todos os cidadãos do mundo possam, através da internet, eleger o secretário-geral das Nações Unidas. Acha que isso é exequível?
Não acha que faz sentido? Não sei se é exequível, a curto prazo não é de certeza. Todos os governos seriam contra, ou quase todos. Mas, a médio prazo, ainda pode haver dificuldades. A longo prazo, tudo é possível.
O Prof. acredita na democracia global?
Acredito. Não no sentido de desaparecerem os países, os estados, as nações, os governos e haver apenas um governo mundial. Isso não acredito. Agora, que há muitas matérias que só podem ser tratadas a nível mundial e que para essas matérias as Nações Unidas têm que ter mais algum poder e mais alguma capacidade de decisão, isso eu acredito. Se há cada vez mais assuntos que só podem ser tratados a nível mundial e se, para esse efeito, para conseguirmos eficiência e bom rendimento, é preciso dar mais alguns poderes à organização das Nações Unidas ou a outra que apareça com finalidades semelhantes, então é preciso legitimar esse poder - e a legitimação desse poder só pode vir do voto. Estamos lá caídos, mais década menos década.
Começou agora a presidência portuguesa. Entristece-o ter saído do Governo?
Entristeceu-me na altura. Entristeceu-me sair e entristeceu-me, talvez mais ainda, a razão por que tive que sair. Andei durante meses e meses e meses a sofrer muito com este problema da coluna...
Mas o problema está completamente ultrapassado?
Neste momento está. Mas era uma operação de alto risco. Ou corria bem e eu ficava bem, como felizmente fiquei, ou corria mal e eu ficava paralítico do pescoço para baixo até ao fim da minha vida. Foi esse o risco que eu tive de enfrentar. Hoje já me habituei. O destino prega destas partidas. Mas as coisas estão muito bem entregues.
Acha que Portugal consegue cumprir o mandato?
O mandato é longo e complexo, como são todos. Passa para a presidência seguinte tudo o que a presidência anterior não conseguiu acabar e cada país quer meter algumas coisas que lhe interessam particularmente. No essencial, Portugal vai conseguir cumprir.
Mas vai conseguir apresentar um texto?
A questão mais difícil de todas é a questão do texto. Se todas as partes actuarem com boa-fé negocial, a tarefa estará perfeitamente ao nosso alcance. Ninguém pode garantir é que todos os outros países se comportem com boa-fé negocial.
A Polónia vai ser uma pedra no sapato?
Neste momento já ouvimos declarações do primeiro-ministro da Polónia que, se forem exactas, revelam pura má-fé negocial. Acho que o primeiro-ministro português lhe respondeu muito bem e à letra. Não será reaberto nenhum ponto daqueles que ficaram acordados em Bruxelas.
Teria Angela Merkel razão quando quis deixar a Polónia de fora?
Acho que teria sido prematuro. Agora, depois da Polónia ter declarado, pela boca do seu Presidente da República e com o acordo do primeiro-ministro que estava em Varsóvia, que aceitava aquele acordo, se dá o dito por não dito, então estamos em plena má-fé negocial e aí, sim, eu pessoalmente acharei muito bem que se deixe a Polónia de fora. Mas espero sinceramente que os dirigente polacos não estiquem demasiado a corda. Não é bom para a Europa mas sobretudo será catastrófico para a Polónia.
Sócrates vai encontrar uma conjuntura complexa, crise com a Rússia...
Não se pode esperar que a presidência da UE não enfrente sempre problemas difíceis, nem se pode dizer se o problema A ou B correr mal, isso ensombra a presidência. Todos os semestres há problemas, coisas que correm mal, conflitos, guerras que começam, tudo isso faz parte da vida quotidiana da comunidade internacional. Não me parece legítimo dizer que se, por acaso, houver uma guerra não sei onde ou não se conseguir assinar o tratado isso ensombra a presidência. Entrevista a Diogo Freitas do Amaral (ex-ministro dos Negócios Estrangeiros): "Bati-me pelo referendo e hoje estou arrependido"
Obs: registo a lucidez de Freitas do Amaral, que mitiga o realismo com o idealismo político. Ainda bem que não ficou paralítico do pescoço para baixo, como referiu na entrevista supra - na sequência da sua bem sucedida operação. Seria terrível ver hoje Freitas paralítico, a andar numa cadeira de rodas pelas ruas da Baixa empunhando um cartaz pugnando pelo referendo. Ainda bem que arranjou a coluna.
Em face da alteração geral de circunstâncias, (rebus sic stantibus) o referendo torna-se dispensável. Guterres já falou nessa efeito de perversão da democracia caso haja referendo em cada um dos 27 países-membros, o que se transformará numa questão política nacional a 27 vozes, o que gera dissonâncias e conflitos. Freitas secunda Guterres.
Sócrates está numa de wait & see para no final arrumar o referendo na prateleira, dado não comportar nenhuma transferência de soberania. Cavaco concorda com Socas que, por sua vez, está em linha com Guterres e Freitas. Se calhar Zé barroso também dá uma mãosinha nesse concerto, e depois eu pergunto: porque razão gastar milhões de euros com uma pergunta cabotina que supõe uma resposta já dada?!
Aplique-se melhor o dinheiro, sendo que a posição de MMendes em relação ao aborto foi a vergonha que se viu, e, agora, porque deseja palco político, acena com o referendo.
What for...
PS: Será Freitas um cata-vento por dizer uma coisa e o seu contrário tempos depois?! Não creio, todos nós mudamos de posição e não apenas por força de interesses pessoais - que todos também temos. Recordo aqui uma coisinha básica: Freitas sempre defendeu a bola ao centro no logo do seu partido, equidistante do PSD e do PS, por isso governou alternadamente com ambos.
Será isto oportunismo, cata-ventismo?! Não creio. Afinal, só os burros é que não mudam. E as ideologias são sempre sistemas intelectuais de justificação para dar cobertura a interesses que também mudam consoante as conjunturas.
Perguntem à dona Zita Seabra o que ela faz no PsD; o que o paraquedista Seara do cds faz em Sintra pela mão do PsD; o que um ex-maoista faz em Bruxelas; e, já agora, o que H. Roseta faz como independente - quando nos últimos 20 anos foi PS.
As pessoas, a dado passo das suas vidas, como já foram tudo e o seu contrário (é o caso de Roseta - que parelha aqui co dona Zita SEabra..) entram em órbita e querem ser aquilo que ainda não experimentaram. E às vezes fazem-no da pior maneira.
Roseta, no fundo é do PS, identifica-se com o seu ideário, programa..apenas levou a peito uma questão pessoal. Seria mais sério da parte dela que o assumisse e não mascarasse tal vested interest com uma putativa posição de independente que nunca foi.
Até aqui Roseta representa mal..., apesar de esforçada. Por vezes ela convence-nos de que a arena política é o palco do Teatro Aberto.