sábado

Zygmunt Bauman: um autor maior do nosso tempo

Há coisas estranhas, mas dentro destas ainda existem coisas excepcionalmente estranhas: o que uma pessoa num ginásio, onde se pratica cultura física, faz com um exemplar do sociólogo polaco Zygmunt Bauman na mão!? À 1ª vista parece algo bizarro mas, na verdade, não é. Tudo depende da nossa disponibilidade mental, temporal e socio-profissional. Não quero chegar ao ponto de, como Marcelo, escrever dois textos diferentes a duas mãos, mas pode-se fazer uma sessão de dorso e ler (ou tentar ler) um capítulo de Bauman - e através de raciocínio híbrido captar 1/3 daquilo que o autor condensou. Seja como for, Bauman é uma referência do nosso tempo, um homem de futuro, o estudioso da post-modernidade que trouxe conceitos, princípios e novas abordagens para aquilo que nos sucede, dentro e fora dos ginásios.
Desde logo, Bauman fala-nos na noção de liquidez, não no sentido bancário mas no âmbito social, em que hoje tudo é fluído, superficial, frenético. O problema é que, tal como a economia portuguesa, também no plano social aquela liquidez hiper-velocidade que tece hoje o quadro de relações interpessoais que vamos tendo no burgo.
Depois, Bauman conseguiu condensar no hiper-conceito Globalização os prós e contras da vida actual - avaliando as suas consequências políticas e sociais - que, aliás, emprestou título a um dos seus livros. Também aqui ninguém fica imune a esses efeitos, positivos e negativos. E à medida que tomamos decisões, desgastamo-nos, entramos em processo de erosão, ficamos obsoletos, vivemos na incerteza e no risco, que é um conceito também muito trabalhado pr um outro sociólogo U. Beck.
Mas onde é que pretendemos chegar com a evocação de Bauman - lembrado no ginásio por alguém que faz a quadratura do círculo - fazendo dialogar o músculo do cérebro com os demais músculos do corpo humano? De facto, Bauman, até na banheira se lê e a qualidade das suas noções, abordagens e perspectivas interrogam-nos acerca do sentido da vida, das qualidade das interacções humanas, da falta de padrões reguladores e estáveis das relações sociais nesta nova fase de globalização competitiva, animada pelo risco, ameaça, perigo e também algumas (poucas) oportunidades.
Um desses indicadores de risco e ameaça à estabilidade social decorre do facto de hoje existir uma enorme liberdade de escolha na vida social, designadamente em identificar um parceiro. Mas, curiosamente, também nunca como hoje as pessoas se dispuseram a rever esses relacionamentos, questionando tudo e todos a toda a hora. O número de divórcios em Portugal corrobora esse ponto de vista.
Infelizmente, Bauman revela-nos aquilo que já notamos no nosso quotidiano: hoje somos todos mais descartáveis, todos representamos papéis que não colam ao nosso "eu" - o que gera inúmero equívocos engrossando, por sua vez, o carácter ainda mais intenso das relações descartáveis que todos hoje, directa ou indirectamente, mantemos. Sendo certo que as TIC são um tremendo dispositivo que fomenta e amplifica esse tipo de relação na chamada post-modernidade. Quantas pessoas hoje se desentendem por sms? Quantas desatinam por msn? Quantas se agridem por mail, chats e outras chatices virtuais alimentadas por essas espécies de "tagarelas à distância" que povoam a Rede das redes.
Cheguei a Bauman pela parte mais política, da guerra, da crise do Estado-nação, da erosão do tempo, das novas hierarquias e mobilidades, mas confesso que o autor polaco que cedo se radicou no RU tem um impressionante legado noutras áreas da sociologia do corpo, da arte, da comunicação, enfim, das relações humanas mais complexas cujos mecanismos tecnológicos e sociais nem sempre trazem o consenso ou a paz social.
Como diria Bauman, "um relacionamento intenso pode deixar a vida num inferno", apesar de hoje as pessoas procurarem esse "inferno" - que só conhecem à posteriori. É como as quedas, só sabemos que as damos após termos caído...
Bauman é, de facto, um autor a não perder de vista pela riqueza e diversidade das suas abordagens. Finalizamos estas notas com uma interrogação que o autor nos deixa e que é um sinal dos tempos: será mais arriscado arcar com a solidão entre paredes apenas com um telemóvel que assegure a ligação com o mundo exterior, ou compartilhar o lar, doce lar - dentro do velho padrão familiar?
Bauman crê que a 1ª opção é a menos arriscada, o que denota bem a fragilidade dos laços humanos, coisa que também se pode constatar dentro dum ginásio. O que não deixa de ser um síndrome dos tempos presentes e uma verificação óbvia de que o autor tem razão no que pensa, diz e escreve.
PS: Post dedicado a A. que trabalha intensamente, e como ninguém, o músculo do cérebro e os outros ao mesmo tempo numa sincronia alucinante.