sexta-feira

O MANDATO - por António Vitorino -

O sublinhado no artigo é nosso e a foto também.
António Vitorino
jurista
Depois de longas horas de negociações em Bruxelas, o Conselho Europeu aprovou o mandato necessário para abrir uma Conferência Intergovernamental para reformar os tratados europeus.
Este mandato detalhado e preciso constitui, por isso, um bom auspício para a presidência portuguesa da União que começa no próximo dia 1 de Julho.
O espírito de compromisso que prevaleceu revela não apenas o sentimento partilhado da urgência na reforma dos tratados como a necessidade de criar as condições para que a União se concentre nas prioridades políticas sem ter sobre a sua cabeça a nuvem da dúvida sobre as regras do jogo comunitário.
A União precisa desta reforma dos tratados para melhorar a sua capacidade de decisão, reforçar a transparência e a responsabilidade democrática no seu funcionamento a 27 Estados membros e respeitar os seus compromissos quanto ao prosseguimento do processo de alargamento.
À partida, o mandato introduz uma modificação relevante no quadro do debate, na medida em que nele se prevê uma mudança da natureza do Tratado, tendo-se abandonado a perspectiva de adoptar um tratado constitucional, retomando-se em consequência a tradição das emendas aos tratados existentes.
O assim designado "Tratado Reformador" será, pois, mais um tratado internacional, provavelmente mais difícil de ler do que o Tratado Constitucional, mas liberto dos fantasmas da "vocação estadual" que o uso do termo constitucional inculcava.
A adopção deste mandato foi apoiada unanimemente por todos os Estados membros da União, o que ajuda a chegar a bom porto num limitado horizonte de tempo.
Nele se preserva o equilíbrio institucional delineado na anterior Conferência Intergovernamental (de 2004), alterando-se apenas a data da entrada em vigor da denominada dupla ponderação dos votos dos Estados no Conselho de Ministros (protelando-a para 2014, com um período de transição até 2017).
O mandato consagra a abolição da estrutura de pilares da União Europeia, expresso na ideia de uma personalidade jurídica única. Isto sem prejuízo de subsistirem processos de decisão próprios no que concerne à Política Externa e de Segurança Comum, reconhecendo-se, nesse ponto, que as regras típicas do processo comunitário não podem ser transpostas mecanicamente para a área da diplomacia e da defesa. Por isso, o mandato compreende também um mecanismo de cooperação estruturada em matéria de defesa, além de criar um responsável máximo nestes domínios (o alto-representante da União para a Política Externa e de Segurança) que simultaneamente terá a responsabilidade de presidir ao Conselho de Ministros das Relações Externas e de assumir, enquanto vice-presidente da Comissão Europeia, a coordenação de todas as relações exteriores da União hoje já integradas na esfera comunitária (entre outras, as dimensões externas das políticas internas, a ajuda ao desenvolvimento, o comércio internacional, a projecção externa das políticas de imigração e de luta contra o terrorismo).
No plano da cidadania europeia, o mandato acolhe o valor jurídico da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com uma excepção de aplicação no Reino Unido. Na sua essência, a Carta representa um repositório de valores fundamentais à nossa identidade comum, com a relevância que resulta de colocar em absoluto pé de igualdade os direitos civis e políticos (muitos deles, aliás, comuns à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a que a União ficará habilitada a aderir) e os direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos europeus.
No mesmo sentido, o mandato retoma o essencial das inovações em matéria de imigração e de asilo e de cooperação policial e judiciária contra o crime organizado, a criminalidade financeira e o terrorismo.
O mandato constitui, pois, uma preciosa ajuda para a presidência portuguesa, mas não é ainda um Tratado. Resta-nos, por isso, desejar que este bom começo possa levar-nos, no próximo semestre, a uma conclusão que preserve o consenso alcançado agora em Bruxelas e que corresponda aos anseios e aspirações dos europeus. Independentemente da forma que cada país escolher para aprovar e ratificar o futuro Tratado da União!
  • Obs: Divulgue-se junto do maior número pelo interese nacional e comunitário deste novel processo de europeização que coincide com a (3ª e última) presidência portuguesa (rotativa) da UE. Agora, il mondo va de si