Capitalismo ético - por Francisco Sarsfield Cabral -
(in Visão, quinta-feira, 28 de Junho)
Capitalismo ético
O Presidente francês vai limitar as indemnizações milionárias que alguns gestores de empresas recebem quando abandonam o cargo. Sarkozy pretende “um capitalismo mais ético”.
A ideia de um capitalismo ético parece absurda a quem vê nele um sistema de exploração, através da apropriação pelos empresários da mais-valia de produção gerada pelos trabalhadores. Mas a concepção marxista, tão em voga há quarenta anos, perdeu credibilidade.
Hoje, muita gente sensata pensa que a economia de mercado, não sendo o paraíso, é eficaz para produzir riqueza. E que as injustiças do capitalismo têm de ser enfrentadas através de leis e políticas. Foi, aliás, o que aconteceu com a criação do Estado providência.
Mas nem só com leis e medidas governamentais se pode humanizar o capitalismo. Há muita coisa que as pessoas são capazes de fazer sem o Estado. É o caso do empreendorismo social, de que é exemplo o já célebre “banco dos pobres”, do Prémio Nobel M. Yunus, que lançou o microcrédito. Por outro lado, além de disposições legais, existem imperativos éticos.
Na questão, muito debatida nos Estados Unidos e que já chegou à Europa (incluindo Portugal), das excessivas remunerações dos executivos empresariais, a ética tem uma palavra a dizer. Decerto que aos accionistas das empresas cabe, aí, um papel decisivo. Afinal, se os gestores ganham demais, ou se os seus salários nada têm a ver com a performance da empresa, os primeiros prejudicados são os donos das empresas, os accionistas.
Em Portugal começam a ser contestados vencimentos como os dos gestores do BCP, 67 vezes superiores ao salário médio do pessoal do banco e muito acima dos vencimentos dos administradores de outros bancos. Ou os salários dos gestores da Semapa, 219 vezes superiores ao salário médio da empresa (cálculos do Jornal de Negócios de 11 de Junho).
Mas o assunto não envolve apenas os accionistas. Desequilíbrios desta ordem ferem valores próprios de uma sociedade decente. Por isso é de saudar que, independentemente de imposições legais, o presidente do BCP, Paulo Teixeira Pinto, tenha travado a tendência para um contínuo e forte crescimento dos ganhos dos administradores do banco.
Como é positivo que Teixeira Pinto, em entrevista à Renascença e ao Público, se tenha mostrado disposto a responsabilizar-se pessoalmente em resolver o problema de clientes que compraram acções do BCP com crédito do banco e depois se viram em dificuldades para pagar o empréstimo, por a cotação das acções ter entretanto baixado muito. Vários destes casos haviam já prescrito, face à lei. Mas não existe só o direito: há princípios éticos.
Tudo o que uma pessoa faz livremente é susceptível de um juízo moral. Não é aceitável que, ao entrar para uma profissão ou uma empresa, alguém ponha a ética na gaveta e passe a guiar-se, apenas, por preceitos legais e de conveniência. E, tal como Sarkozy, ninguém se deverá resignar ao capitalismo selvagem.
É importante que o Estado tome as medidas necessárias para evitar abusos. Mas, por mais que legisle (e, em Portugal há leis a mais e cumprimento delas a menos), só por si o poder político não será capaz de evitar comportamentos reprováveis, ainda que, formalmente, não violem as leis. Como qualquer outra área da vida, o capitalismo não dispensa a ética.
Francisco Sarsfield Cabral
Obs: O Francisco fez mais uma eficiente reflexão sobre economia mas numa perspectiva ética e moral, na tradição, aliás, de pensadores clássicos de economia. Até o "pai" da economia, Adam Smith, era um filósofo preocupado com a concertação dos valores e princípios morais face à sociedade e à economia - que hoje é uma economia de casino e fortemente especulativa. Será caso para dizer que se faça uma resma de cópias que possam ser enviadas para a CGD, o BP e outras instituições que, em Portugal, ainda abusam desses valores de capitalismo ético que aqui o Francisco dá eco e Sarkosy, em França, se revela, desde já, um arauto na Comunidade internacional. Estão, por isso, ambos de parabéns.
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