domingo

O novo Mundo regulado pelo desregulador globalizante

Esta é uma imagem poderosa, nem sei bem como a descrever. Mas entre a grandeza e soberba de uns e a pequenez frágil de outros naquela "fábrica de salsichas" - resulta um mundo crescentemente desajustado, doente, injusto, desequilibrado, vingativo, mau sinalizando mais maus costumes e práticas do que bons sinais e sentimentos para o futuro próximo. Aquele enforcamento, sendo merecido pelo ímpeto dos homens e pela razão histórica, era evitável pelos "altos" padrões morais e éticos do edifício de direito e de justiça que criámos para o Ocidente europeu que integra hoje, bem ou mal, a matriz judaico-cristão de que somos oriundos.

Sucede que este desgoverno do mundo condensa ainda uma outra vertente igualmente grave: é que a política do Ocidente serviu um princípio fundamental de direito político, com base no qual todo o alargamento de poderes e de funções deve ser acompanhado de uma extensão da lei, a qual fixa as normas e limita os abusos e impõe as sanções. Ou seja, prevê a aplicabilidade de normas caso certos factos (desviantes) ocorram. Desse modo, à medida que se afirmou a influência global das decisões humanas, cresce a procura de novos órgãos legislativos e organizações internacionais que possam controlar o impacto social, económico, político, ambiental e militar daquelas decisões e, assim, direccionar as decisões do mundo em prol do bem comum. A isto se chama globalização feliz, globalização de rosto humano ou globalização positiva. Que é o que menos se vê na esfera da globalidade.

Mas será que é isto que vemos nos domínios económico, militar e político? É claro que Não, lamentavelmente. Se este foi um desígnio da ONU - formada após a II Guerra Mundial - que visava aplicar um direito internacional apoiado pelos tratados constitutivos, a prática política deste meio século tem provado que entre o direito proclamado e a realidade vivida existe um fosso terrível. Ou seja, a força jurídica da Carta da ONU não vale mais do que um pedaço de papel a que os EUA, Rússia, França, RU e RPC - os cinco grandes detentores da arma nuclear, limpam a boca em função dos seus apetites, caprichos e interesses. Basta que recorram ao seu direito de veto, tudo logo fica paralisado. É aqui que se percebe como a soberania de alguns Estados tem um valor muito superior à soberania de outros Estados, e que o direito internacional não passa duma intenção que todos desrespeitam.

Se um daqueles cinco grandes fosse convencido de que a utilização política indevida (e abusiva) do respectivo direito de veto teria como consequência a sua imediata expulsão do club dos grandes, talvez algo mudasse no plano global. Mas que critério temos para avaliar essa conduta? Quem seria o juíz que proclamaria essa sentença? Quem seria o Guarda do guarda, o Polícia do política? Hoje, e poucas dúvidas há a esse respeito, formou-se a ideia (consensual) de que são os EUA a potência que mais perturba a segurança e a paz internacionais, isto porque ela pretende resolver as suas disputas directamente, em termos políticos, militares ou económicos, e não no quadro multilateral da ONU - onde as regras do jogo seriam mais justas e equitativas. Sendo que a maior parte dos delegados que estão da ONU não representam os territórios ou os povos, mas sim os respectivos partidos, senhores ou ditadores que para lá os enviaram.

De que vale hoje as Agências especializadas da ONU - tipo Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) que fez um trabalho de inspecção no Iraque para detectar as fontes de armamento de que o Iraque era acusado, e depois G.W.Bush, de forma unilateral, e sem qualquer legitimidade política, resolveu intervir e invadiu o país... O resultado está à vista, com um saldo de milhares de mortos para ambos os lados, com um país em guerra civil e com gastos astronómicos para a economia e para o contribuinte norte-americano - recursos esses que poderiam ser aplicados na economia civil em todo o mundo.

Por outro lado, nem por isso decresceram os sinais de corrupção, dentro e fora da ONU, e Kojo, filho de Kofi Annan - agora de saída, foi indiciado dessa prática quando montou a campanha de trocar petróleo por alimentos. Facto que manchou a própria credibilidade do Secretário-Geral cessante. Portanto, nem a corrupção na ONU nem a sua própria burocracia facilitam o processo de tomada de decisões à escala global, e assim nem a paz se instala, a economia cresce e a prestação de contas se faz. Ou seja, não há desenvolvimento, justiça ou liberdade. Não há accountability, um termo nebuloso que significa responsabilidade, ou falta dela.

Isto leva-nos a crer que hoje organizações gigantescas como a ONU gera mais problemas do que as soluções que era suposto aplicar em prol do bem comum. São sempre os cinco grandes a determinar as regras do jogo, por vezes em áreas e em interesses alheios, os crimes contra a Humanidade ficam sempre por julgar, e quando esses crimes se julgam recorre-se à corda de enforcamento - ditada por outros tiranos já com o banho democratizado.

Tudo isto piorou à medida em que a legislação internacional passou a ameaçar a soberania dos pequenos países. Se bem que o pano de fundo da globalização feliz foi o de estimular a emergência de pequenos Estados, por regra ex-colónias que passaram a ter a sua própria independência e a serem soberanos. O que permitia a cada nação fazer as suas próprias escolhas em termos de futuro e não ser arrastados pela onda da globalização económica que tudo terraplana. Mas a ameaça terrorista alterou as regras do jogo, e cada um agarra-se hoje ao pedaço de soberania que tem ao seu dispôr, em lugar de teorizar a utopia da futura globalização feliz matriciada na concepção de Estado Universal do filósofo racionalista Immanuel Kant. Os Estados de África Negra e da Ásia têm sentido na pele essas discriminações. E até mais do que os Estados têm sofrido os respectivos povos.

Se aplicarmos este exemplo às práticas da Organização Mundial do Comércio (OMC) constatamos como os seus regulamentos acabam inevitavelmente por arruinar as suas débeis economias locais, que ora estão compelidas a competir em igualdade de condições com os grandes produtores da indústria agro-alimentar ocidental, maciçamente subsiada. Com a agravante de utilizarem culturas genéticamente modificadas, cujas patentes pertencem às multinacionais ocidentais, o que forçará, a prazo, os agricultores dos PVD a substituírem as suas velhas culturas por estas genéticamente modificadas - porque ao abrigo do sistema de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio Internacional, a comprar as suas sementes no Ocidente. Isto será a maior das heresias. Seria como instar o pedinte de rua que pague a refeição ao Belmiro alí no Club dos Empresários - na Av. da República. Uma vergonha...

Se apontarmos as baterias para as chamadas irmãs-gémeas do velhinho sistema de Bretton Woods (FMI, BM e OMC) ainda pior, pois apesar de serem organizações com o objectivo de gerarem um clima de estabilidade cambial e financeira mundial, são hoje consideradas por muita boa gente qualificada - como por ex. Joseph Stiglitz (nobel da Economia) - como instrumentos da opressão e de domínio dos EUA e do Ocidente em geral sobre o resto do mundo.

Outro exemplo desta assimetria entre grande e pequenos, decorre da proposta para a criação de um Tribunal Penal Internacional, um sonho da esquerda ocidental, visando substituir as guerras por processos judiciais e a acusar os beligerantes de crimes de guerra. Também aqui o senado norte-americano colocou reservas. Em matéria de limites de poluição de monóxido de carbono, idem aspas... Apesar dos EUA serem a potência que no mundo mais emissões de CO2 lança para a atmosfera.

O que pretendemos aqui referir é que enquanto a ONU e todo o seu subsistema de agências especializadas não for profunfamente reformado não saímos da cepa torta. Assim, atrevo-me a dizer que no plano internacional teremos mais do mesmo no ano que vai entrar.

PS:

A contrariar esta tendênca negativa da esfera da globalidade - vejamos este simples facto. Ontem, num Sábado em época de Natal, por mera curiosidade, verifiquei que o blog O Jumento (link) atingiu cerca de 1300 visitas. Se estabelecermos esse rácio de comparabilidade com o que se regista no Abrupto de JPP - tal significaria que o Jumento - por dia e durante a semana teria cerca de 30000 visitas dia. E já nem vamos aqui referir - rúbrica a rúbrica as valências de um e de outro, e só evocámos o blog de JPP - por reporte à personalidade do seu autor, e não à valia intrínseca daquele pasquim. Mas isto não deixa de reflectir bem a natureza das coisas e a forma como a rede reage a elas.

Especialmente num ano em que revista Times elegeu o utilizador como a personalidade do ano. Mas é óbvio que no meio da rede também haverá muito lixo, assim como no meio das páginas de jornais se encontra muito texto saído de jornalista que comem sorvetes com a testa. Alguns devem ser da escola do l.DElgado, o 2º jornalista português mais americano (ou americanizado) seguido de Nuno Rogeiro, o tal da conferência no Irão.

A arte e a techné do leitor deve ser a mesma da do ciber-utilizador, reside sempre numa coisa tão simples tão complexa: seleccionar os bons textos, infelizmente a imprensa escrita lusa não é lá muito profícua nisso. Não apenas pelo baixo índice intelectual e científico da maior parte dos jornalistas (por regra formados em tarimba e antiguidade, e saltitando de gabinete ministerial em gaminete secretarial), mas também porque são pouco criativos, e quando lhes dá para a criatividade geralmente sai borrada. Mas, caramba, nem tudo é mau no DN, que tem lá António Vitorino, que salva o convento.