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Uma carta antes da morte - por Caryl Chessman - o famoso "lanterna vermelho"...

Cary Chassman explicando os seus argumentos em tribunal
Em Novembro evocámos aqui o significado dos alegados crimes praticados por Caryl Chessman, explicados no seu livro Cela da morte, 2455. Até ao fim Caryl reclamou a sua inocência, sem sucesso. Já na prisão prescindiu de defesa, assegurando essa prerrogativa por sua conta e risco. Dentro das quatro paredes lera milhares de livros de direito, revelou ser um homem inteligente, culto e determinado. Mas sofreu a pena de morte, apesar das reservas sobre a autoria dos crimes que lhe eram imputados.
Seja como for, e sem que daqui decorra alguma verosimilhança com aquele que hoje foi enforcado - num modelo de justiça medival e vingativa que jamais levará a algum lado, achamos oportuno republicar aqui a carta escrita pelo punho de Caryl Chessman, pois ela é reveladora de muita coisa acerca da condição humana, de nós próprios.
Ela serve, acima de tudo, para nos questionarmos - sob certas circunstâncias (naturalmente) - que carta escreveríamos na antecâmara da morte...
Vejamos
a carta manuscrita por Chessman horas antes de sua morte e endereçada a um repórter do jornal San Francisco Examiner. Publicada na edição do dia seguinte à execução de Chessman, a carta-testamento afirmou-se como um dos mais vigorosos libelos contra a pena de morte (que comungamos).
Ei-la:
"Caro Sr. Stevens:
"Como deve saber, os carrascos, na Califórnia obedecem a horário de bancos. Nunca executam alguém antes das dez da manhã e nunca depois das quatro da tarde. Quando ler esta carta, já eles me terão executado. Terei trocado o esquecimento por um incrível pesadelo que durou 12 anos. E o senhor terá presenciado o ato final ritualístico. Espero e confio em que o senhor será capaz de transmitir a seus leitores que morri com dignidade, sem medo animal e sem bravatas. Devo isto a mim mesmo, mas devo mais a muitos outros. A hora da morte chegará a mim dentro de poucos minutos. Resta-me de vida, segundo suponho, menos de dezoito horas. Passarei estas horas numa das celas, a alguns passos da câmara de gás".
"... Eu desejava continuar vivendo. Acreditei apaixonadamente que poderia oferecer uma contribuição com meus livros, não só à literatura, como à minha sociedade. Eu estava determinado a retribuir, assim, às milhares de pessoas de tantas nações que me defenderam e acreditaram em Caryl Chessman como ser humano. Eu teria tido grande satisfação e um sentimento de nobres objetivos se tivesse sobrevivido, para justificar seu compreensivo julgamento. Mas um severo destino, revestido de roupagens jurídicas, decretou minha morte numa pequena sala octogonal, pintada de verde".(...)
"Chegou a hora, em suma, de morrer. Então assim acreditam muitos funcionários da Califórnia o Estado estará vingado e vingado estará seu sistema de Justiça retributiva. O Estado terá acalmado seu espírito de vingança. Mas, vingança contra o quê? Câmaras de gás podem matar gente e não contrafações de sinistros e arrependidos criminosos lendários, "monstros mitológicos".
"Face a face com a morte repito enfaticamente e sem hesitação: jamais fui o famoso "bandido da luz vermelha". O Estado da Califórnia condenou o homem errado, teimosamente recusou-se a admitir a possibilidade de seu erro, e muito menos, a corrigi-lo. O mundo terá em tempo provas deste monstruoso e selvagem erro. Não se orgulhará desses fatos. Mas, ponhamos aqui de lado a questão de culpa ou inocência. O que me impele a escrever esta carta é minha firme convicção de que neste drama está envolvido algo mais que a morte de um homem.
"(...) Vou morrer com conhecimento de que deixo atrás de mim outros homens vivendo seus últimos dias no corredor da morte. Declaro aqui que a prática de matar ritualmente e premeditadamente outros homens envergonha e macula nossa civilização, sem nada resolver contra aqueles que se lançam violentamente contra a sociedade e eles próprios.
"Assim, poderemos encontrar solução racional e humana para o problema que a sociedade deve fazer com tais seres humanos. Este problema não deve jamais ser enterrado juntamente com o homem executado e suas vítimas. Ele não será enterrado junto comigo. Escolhi meu próprio caminho para chamar a atenção mundial para os corredores da morte e câmaras de gás. Não encaro a mim mesmo como um herói ou mártir.
Pelo contrário, sou o louco confesso, profundamente consciente da natureza e qualidade dos loucos erros cometidos em meus anos de rebelde juventude. Não espero parecer grandiloquente e didático. Mas, estas são crenças que ardem dentro de mim mais luminosamente que a minha esperança de sobreviver. Morrendo, devo reafirmar esta crença e exprimir minha última esperança de que estes que saíram em minha defesa continuem lutando contra as câmaras de gás, contra os carrascos e contra a justiça vingativa. Certamente mereceremos algo melhor. Extingue-se meu tempo. Devo encerrar aqui minha carta.
Sinceramente,
Caryl Chessman.