domingo

A morte

Temos aqui dito que a Filosofia é crucial porque ela é uma espécie de curso de preparação geral para a morte. Não a morte de cólera ou de raiva, ou resultante de termos cometido uma maldade terrível e paguemos por isso na hora da verdade. Reporto-me à morte natural, aquela que vem a cavalo no tempo. Aquela que aguarda os velhos na soleira das portas, e espreita os jovens mais de longe. Mas é sempre impiedosa.
Talvez por isto, que é uma fatalidade, não compreenda por que razão muitas pessoas queiram morrer saudáveis e ricas... Não são essas condições que lhes conferem mais longevidade. Além de que impressiona os mortos não se mexerem. De modo que a vida é um pequeno estertor que todos os dias nos vai matando um bocado. Há dias que mata mais do que outros. Ninguém, nem mesmo Bill Gates ou Manoel de Oliveira, um por ser o homem mais rico do mundo, o outro por filmar perto dos cem anos, poderão um dia dizer que são imortais, posto que se matam aos poucos dia-a-dia. É algo que está inscrito na ordem natural das coisas.
O problema, como me pareceu na gratuitidade deste enforcamento de Saddam, demonstrando-lhe que a Justiça do seu país é tão pulha quanto ele, é que quando a morte não está saciada, inventa uma guerra. Uma guerra que certamente se alimentará dum ressentimento que irá alastrar e engordar ainda mais o ciclo da violência no Iraque e na região do Médio Oriente - que infunde insegurança a todo o mundo.
Morrer nunca deixa de ser um desaparecimento. Obviamente que o enforcado não deixará algumas saudades, mas a morte em geral é sempre algo que sucede na hora errada e no local errado. E, para ironizarmos um pouco com esta "tourada" do que é a Justiça no Iraque, a liderança norte-americana, ou a gestão canhestra de Durão na Europa - diremos que não se devem mandar flores aos mortos que sofrem de asma dos fenos.
E quanto ao epitáfio do energúmeno que matou e chacinou milhares de homens e mulheres, crianças, adultos e idosos no seu próprio país - também já temos narrativa: Não matou tudo o que quis, mas fez tudo o que põde...
A morte, além de ser sempre uma surpresa para quem morre, mesmo nos casos mais previsíveis, é sempre um assunto pessoal e intransmisível. E se sonhar que morremos ainda é de somenos. Pior é quando acordamos com o barulho de muita gente a festejar a nossa morte.
Talvez por isso a melhor maneira de entrar num cemitério, fica aqui a nota, é nunca entrar deitado... E o problema é que "ela" é hereditária.