domingo

A violência das Imagens. O que fica do que passa

O que fica do que passa? Será que é mais violento ver à hora de jantar centenas de crianças curdas - a Norte do Iraque - bárbaramente assassinadas a mando do ditador que ontem foi enforcado, ou ver a sua própria imagem na antecâmara da morte suspensa por uma corda de cacilheiro?
Confesso que ambas as imagens me geram repulsa, mas também que ambas são imagens duma violência atroz de difícil arrumação mental no tempo em que vivemos. Um tempo em que as intituições se regulam pelo Direito, pela separação de poderes, pelo civismo e respeito pela identidade do outro e de mais umas quantas balelas, verdadeira letra morta em certos países.
Creio que com essa decisão foi mais o Ocidente que foi julgado do que o tribunal fantoche iraquiano, que não passou de uma obscenidade de todas as estruturas num universo desestruturado, pautado pelo horror das imagens que nos fornece e da correlação que imediatamente se estabelece entre o que é político e o que emana do casulo do terror. Por isso a política hoje infunde medo, ódio, nojo, catástrofe às pessoas..
Consabidamente, a violência gera medo, mas não unicamente naqueles que são enforcados, queimados, baleados, regados com gasolina e depois carbonizados vivos e o mais... A violência é um virús de assassinos natos, alguns comandam o aparelho de Estado de certas potências, e a partir daí procuram impôr a sua cosmovisão à outra parte do mundo.
Todos sabemos que Saddam é um ditador facínora que a história um dia havia de condenar, mas não dessa forma bárbara - que só serviu para mostrar ao mundo quanto a América de Bush, Blair, Durão barroso e Aznar - os fautores da Cimeira dos Azores que preparou o caldo da guerra - sem qualquer legitimidade - usam e abusam duma concepção do direito e da justiça que em tudo se lhe assemelha. Isto leva-nos a supôr que a violência não instiga medo naquela que mata, ela infunde também medo naqueles polícias do mundo, burocratazinhos bruxelenses e políticos em fim de carreira insulares - que hoje vivem mais assustados do que tranquilos.
Aquele enforcamento não mostra apenas o estertor exercido sobre um canalha da história contemporânea, revela também como Bush, durão barroso, Blair e Aznar - que criaram o contexto político da guerra ao Iraque (ilegítima, por sinal, como provou a Agência Internacional de Energia Atómica dirigida por ElBaradei, nobel da Paz em 2005 - ao provar não exisitirem armas químicas no Iraque nem nenhuma conexão de Saddam a Bin ladden) à margem da ONU e do direito internacional, nutrem pulsões de morte que os impele para matar - matando assim o inimigo que se constituiu como (suposto) obstáculo. E digo suposto, porque o verdadeiro obstáculo ainda anda a monte (bin), e qualquer dia aparece na Sala Oval com uma plástica replicada de G.W.Bush.
Pelo que a questão essencial que se nos afigura pertinente é: não tanto saber porque Saddam foi enforcado, mas identificar as razões que consomem a mente e o corpo d'alguns policiazinhos deste mundo de canalhas legitimados pelo direito mas que envergonham os países e os povos em nome de quem tomaram tais decisões.
Antes de a corda esticar, cair o pano e se fazer escuro pensei que a violência só pode gerar mais violência, e que ela neste caso é proteiforme, o que me pode fazer supôr que aqueles carrascos que ladeavam o ditador também têm nome: EUA, Europa, RU e Espanha. Dito isto chegamos à conclusão maior: a megalomania e o narcisismo do quarteto da desgraça.
Doravante, talvez o maior dos pecados é todos termos visto isto. Será essa memória e consciência planetária que tudo legitimará de futuro nos terramotos da morte institucionalizada que esta Humanidade anda pra aí a criar. Será isto que fica do que passa: o registo na memória.