quarta-feira

O mundo (materialista) a que chegámos. O abismo e a voragem

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Muita gente, designadamente a Deco (que ganha a vida com estes estudos, estatísticas, ensaios e demais alarmes sociais, por entre marcas de máquinas de lavar roupa e de aparelhagens de som.. e avisando qual das torradeiras e televisões é mais ecológica) espanta-se com os gastos exagerados dos tugas nesta época natalícia. Davam para construir o aeroporto da OTA, assim até já nos dispensamos de o construir, basta lembrar os gastos de natal e viajar em pensamento...

Mas o busílis da questão, nesta onda desenfreada de hiperconsumismo pelo burgo, é capaz de ser mais complexo. E a questão legítima que se deve colocar é como chegámos até aqui? Ao mundo da individualização hiperconsumista em que as identidades pessoais e culturais se geram, alegadamente, adquirindo bens e mais bens, e raros são os que pertencem à categoria de 1ª necessidade.

Aqui temos de recorrer à teoria sociológica que explica esta dinâmica catastrófica - para o indivíduo e para o tecido conjuntivo da sociedade - e referir que tal mudança é estimulada por uma troika de forças: a tecnologia, as instituições e os valores. Descodificando: as ferramentas, as regras e os valores. E é aqui que nos encontramos, escravos de todas estas forças, para o melhor e para o pior. Infelizmente tem sido para o pior, a ajuizar pela ausência de taxas de poupanças que poderiam ser aforradas nos bancos que depois poderiam emprestar esse capital de forma mais reprodutiva na sociedade. Em seu lugar, os bancos ainda enriquecem a emprestar dinheiro aos particulares, como os velhos prestamistas judeus faziam aos reis, dado o consumo desenfreado das pessoas (singulares). Ora, este desequilíbrio é péssimo para a economia, sobretudo se se pensar que 70/80% dos bens comprados são produzidos no exterior e não contribuem directamente para criar riqueza ou postos de trabalho sustentáveis.

Daqui resulta já uma 1ª conclusão: é aquela troika de forças (tecnologia, instituições e valores) que nos está a formatar a mente, e não o inverso, o que é perigoso. Em vez de nos emanciparmos desse tipo de desenvolvimento sumptuoso e de nos aproximarmos de Deus, estamos antes cada vez mais dependentes do status artificial que aqueles bens oferecem na configuração das identidades e mais distantes de Deus. Daqui resulta o abismo, a vertigem, a voracidade. É como se estivessemos a ser comidos, esventrados, devorados pelos braços armados da tecnologia, pelo dinheiro, pelo brilho daqueles cristais e, ainda por cima, oferecêssemos um sorriso de cumplicidade sinalizador de que aquela troika de forças poderia continuar o massacre neste jogo de morte consentida.

Isto é tanto mais estranho na medida em que hoje o Homem no mundo post-industrializado é livre, já conquistou as tais ferramentas que lhe permitem controlar a Natureza, e viver as suas vidas independentemente dos caprichos do clima ou do ambiente - que também têm ajudado a estragar. Ou seja, vivemos numa fase em que é o Homem quem tem os comandos do processo de desenvolvimento, com as engenharias, as biotecnologias e as nanotecnologias a ajudarem nesse comando global do mundo. Já não dependemos do Senhor - criador da Terra e dos Céus. E não obstante isto lá acabamos por abarrotar as catedrais do consumo envergonhando os números com aquela estatística que faz de nós, porventura, os mais gastadores (e pobres) da Europa. O que em si já é um paradoxo.

Bem sabemos que a tecnologia empurra-nos para esse colete de forças, e de forma inconsciente obriga-nos a consumir. É o capitalismo de mercado na sua máxima expressão, nunca pede licença para nos arrombar o cofre dos neurónios e tocar nos botões que nos dá as ordens de compra, mesmo tratando-se de bens sumptuários.

Em vez de ficarmos prisioneiros desta armadilha da tecnologia, das instituições (da publicidade) e dos valores consumistas que aquela troika nos incute - não seria melhor irmos alí para a Torre de Belém fazer alpinismo?! Ou comprar um Lego atómico e fingirmos que mandamos peças à cabeça de Fidel Castro, ao ditador de Angola cujo nome aqui não promovo, ao ditador da Coreia do Norte - que até já teve um defensor na bancada do pcp que o cunhou de democrata e demais energúmenos que, infelizmente, ainda não foram julgados pela História...

Creio que o progresso jamais deve ser encarado de forma mecânica e determinista, somos sempre nós que devemos controlar o processo de aquisição, e não o inverso como lamentavelmente hoje sucede. E o resultado está à vista. É, paradoxalmente, o próprio progresso tecnológico que nos está a "ajudar" a afundar enquanto pessoas e enquanto agentes económicos. Assim, ficamos sem cérebro e também pobres. E é sem a faculdade de pensar nem o dinheiro que só nos resta fazer uma coisa: dirigirmo-nos aos bancos e pedir mais dinheiro emprestado para liquidarmos o que comprámos de véspera.

O que só parece beneficiar a banca - que se ri à descarada. Não é isto admirável neste nosso mundo novo!!!

  • PS: Uma nota à Deco. Em tempos idos fui associado daquela agremiação. Prometeram-me no folheto de subscrição determinados bens caso subscrevesse uma assinatura. Paguei e esses bens não vieram. Em seu lugar, enviaram-me um qualquer "charuto" que liminarmente recusei, assim como acabei por pedir a anulação da subscrição. Foi, pois, um caso de Pub. enganosa. Depois, i.é, nos dois anos subsequentes, comigo já out of game, enviavam para minha casa cartinhas com folhetos de subscrição que tinham sempre o mesmo destino. E cuja despesa daria para comprar duas ou três unidades do produto que promoviam aquando da subscrição. E se conto aqui esta pequena estórieta, que vale o que vale, e já deve ter sucedido a outras pessoas, é porque ela também não deixa de ser sintomática vinda de quem vem. Hoje, quando vejo o Jorge Morgado - com aquele ar sério - a falar naquelas estatísticas lembro-me logo da Pub. enganosa de que fui objecto quando em tempos a própria Deco me queria vender gato por lebre. É irónico, não é...Quem não os conheça..