terça-feira

Mais vale tarde...

"Há momentos na vida de um cronista de jornal que deviam ser, pura e simplesmente, obliterados. Apagados do mapa. Ou discretamente reescritos, pelo menos retocados, como alguns ditadores fizeram para moldar a História às suas medidas. Tenho vários desses momentos, mas o último ainda me dá voltas no estômago foi quando, há dois anos, defendi publicamente que os blogues deviam ser reservados aos que não têm acesso às páginas dos jornais. Na altura, fazia-me alguma confusão que pessoas como Pacheco Pereira, ou Pedro Mexia, tivessem colunas nos jornais, "tempo de antena" em dose generosa, e mesmo assim alimentassem blogues pessoais. Percebia a lógica de os cidadãos comuns criarem espaços para manifestar as suas opiniões, mas não concebia que comentadores, cronistas, jornalistas, "perdessem tempo" a desabafar o que presumivelmente não escreviam nos meios que os acolhem. Entendi que tudo não passava de vaidade e presunção: tinham opiniões a mais e achavam que todas eram relevantes. Não queriam escolher as que deveriam manter-se no círculo restrito das suas existências...
Dois anos depois (e muita pancada levada em tudo o que era blogue nacional, como se tivesse criticado o meio em si, o que obviamente não sucedeu...), no momento em que vejo Vasco Pulido Valente chegar à blogoesfera, não resta palavra sobre palavra desse meu texto. Engoli-as todas, uma a uma, humildemente. Confesso que há sempre um bom bocado do meu dia que é passado a saltitar de blogue em blogue, lendo o que pensam aqueles que respeito ou admiro, ou descobrindo talentos desconhecidos. Tenho a minha lista de favoritos. E já tive, heresia das heresias, a tentação de criar o meu próprio blogue...
Na última semana, entre o casamento frustrado das duas mulheres-bandeira, os "cartoons que fizeram rebentar o ódio ao Ocidente, a estadia numa cidade estrangeira onde só se pode fumar praticamente às escondidas, e a boa notícia que a Sonae deu ao país, fez-me falta um blogue. E li mais blogues do que habitualmente. A comunicação mudou, e a imprensa que se cuide - se se atrasar na adaptação a esta realidade, vai ficar como eu, a ouvir em eco um sonoro "Dahh!"...
******************************************

Notas do Rizoma Macroscópico:

Elogio da sinceridade e ética pessoal
A net é uma realidade sóciodinâmica, pois ainda a semana passada critiquei aqui alguns perfis de textos e o agenda-setting de Pedro Rolo Duarte que escreve no dn (e que não é único na avaliação injusta e desenquadradora do que é a blogosfera), e hoje até já tenho razões para reconhecer o esforço que fez em admitir alguns dos seus lamentáveis misperceptions acerca do rizoma. Só os "burros" (salvo seja) é que não mudam. Desconhecia este texto, que é revelador em como uma pessoa pode estar rotundamente errada num dia e rever o seu critério no outro. É saudável.
Afinal, o que é a verdade - senão um erro à aguardar vez, como diria Vergílio Ferreira.. Os blogues, de facto, não são só para pessoas que não têm acesso aos media, eu próprio escrevi durante 4 anos para um jornal e uma revista, de forma regular, considero-me relativamente qualificado para o fazer, e nunca recebi um único centávo ou cêntimo. Será que outros o fariam... Duvido.
Não vou teorizar aqui sobre a blogosfera (nem tão pouco criticar parágrafo-a-parágrafo o texto supra), domínio emergente na área da Sociologia da informação, aliás, até fui das primeiras pessoas no rizoma a falar nisso. Já o fiz dezenas de vezes no Macro, mas queria dizer a Pedro R. Duarte - e às pessoas que aqui, eventualmente, me lêem, o seguinte: antes de inspirarmos a emoção dos outros, devemos sentirmo-nos (nós) próprios inspirados, e antes de derramar "tristeza" nos outros, devemos antes derramar a nossa própria tristeza. Até porque as opiniões, os pontos de vista, as narrativas, os ângulos ocultos e as perspectivas mortas - e até as amizades, pasme-se!! - poderão mudar consoante as impressões esmoreçam ou animem, mas todo o Homem da comunicação terá de acreditar naquilo que diz.
Confesso, contudo, que só não compreendo a "fixação" de Rolo Duarte nos blogs de PPereira ou de Mexia, longe de terem uma produção assinalável e/ou diversificada. Mas gostos são gostos... E o caso P.Pereira nem sequer deve ser equacionado para efeitos de comparabilidade - por razões demasiado óbvias que me dispenso de as explicitar.
O recurso a Vasco Pulido Valente, um conceituado historiador e articulista, também é um mau exemplo dado que a sua incursão (breve) na rede se ficou a dever - juntamente com Constança Cunha e Sá - a uma motivação senão mesquinha, pelo menos perversa: a de bater aos pontos o nº de visitas do Abrupto de JPP, e quando atingiu esse score (com uma caixa de comentários verdadeiramente improdutiva, ofensiva e miserável), fechou a "tasca" ante uma turba estéril e sedenta de sangue ciber-vitual na lógica da teoria do amigo-ainimigo. Além de não ter sido bonito, também não foi intelectualmente sério. O que comprova que certos articulistas só trabalham com dinheiro à vista. Ao menos nisto JPP é mais transparente e até mais solidário e coerente, apesar de só citar aqueles que, por regra, afinam com o seu diapasão. Mas eu não comi a "fartura", e só caíu quem quis... Todavia, fica-se a saber que para Rolo Duarte as suas referências blogosféricas se resumem aquela troika de astros: JPP, mexia e Vasco Pulido Valente. O que não deixa de ser uma promoção tão injusta quanto extemporânea para aquele jovem e uma injustiça relativa para dois homens culturalmente sólidos e com um background assinalável, quer se goste (ou não) de JPP e de VPV. Com estes dois cientistas sociais, confesso, tenho aprendido algumas coisas.
Todavia, este volte face acaba por recortar mais um epifenómeno da Ética pessoal, i.é, donde vem a amizade entre os homens? Será que ela configura uma cilada, que eles usam com vileza para se seduzirem? Como diria o filósofo, já não há sinceridade. Este mea culpa - vindo do meio jornalístico - não deixa de ser duro para o próprio, mas por essa mesma razão, denotou coragem para o fazer em pleno séc. XXI, deixando-nos um distinto entre a "falsa amizade" (que todos nós hoje vamos tecendo e desfazendo) e os textos que vamos escrevendo por esses túmulos fora. Com isto também se afere que quando um homem tem a força de ser sincero consigo mesmo, reconhecerá nele essa coragem difundida em todo o seu carácter, recapturará - mais facilmente - o tal império da verdade, da justiça e da liberdade sobre si mesmo. E é aqui que ele se aproxima do amor pela virtude e se livra do temor e do terror do pensamento (e do "ódio" ou inveja ou cobiça dos outros) dos outros.
Congratulo-me, pois, com este volte face. Em rigor a Rede - permite funcionalizar um fio submetido a muitas pressões, a muitos ajustes de contas, a muitas tensões, ameaças e até chantagens (algumas veladas) - porque é do Poder (material ou simbólico - sempre) que se trata. E, hoje, todos nós, com maior ou menor apetência, procuramos dominar um dos principais instrumentos de consenso social (via media). Sendo um sistema autónomo, os media acabam por ser um sistema de subsistemas, uma rede de redes - em que uns procuram dominar outros. Afinal, tudo isto ilustra uma asserção de Michel Foucault ensinada há uns bons anos: o Poder é uma relação, e não uma coisa estática. Hoje, a blogosfera nucleariza esse tecido conjuntivo mostrando que é uma realidade sociodinâmica, nem sempre a caminho do paraíso.
Contudo, creio que é útil, para efeitos analíticos, nunca nos esquecermos duma realidade comezinha: quem pensa, quem escreve, mormente quem faz análise social e política (doméstica e internacional) nos media (ou na mediacracia) - deve ter sempre em mente uma troika de condicionalismos, qual espada de damócles:

1. A comunicação de massas apesar de ser um sistema autónomo tem sempre um "patrão" que manda nesse segmento de mercado e exige uma certa facturação ao fim do mês - e aqui não há ninguém totalmente imparcial ou isento. Todos, duma maneira ou doutra, procuram agradar e consolidar posições dentro da "máquina";

2. Tem, depois, de se defrontar (ou anuir e funcionar como elemento facilitador) com o sistema político - que faz imensas pressões e procura controlar o que pode dentro do aparelho de comunicação (estatal e até privado) a fim de potenciar as sua estratégia política de manutenção e, se possível, reforço do poder, na linha dos ensinamentos legados por Nicolau Maquiavel;

3. Por fim, a mediacracia tem de contar com o sistema cultural/simbólico que determina os valores, as normas e as regras que estruturam os símbolos que fazem o próprio sistema social e impõe um padrão de vida em sociedade. O qual umas vezes é bom, outras é assim-assim, e outras ainda é mau.

Afinal, mais vale tarde do que nunca...