A FRASE A MAIS (PARTE I)
Provedor do leitor Rui Araújo
O leitor Miguel Sousa Tavares escreveu ao provedor por causa de um artigo de publicado na edição de 25 de Outubro passado." No passado dia 24.10.06, fui contactado pela jornalista do PÚBLICO Joana Gorjão Henriques, que pretendia ouvir-me acerca da acusação surgida num blogue anónimo de que eu teria plagiado o meu romance "Equador" do livro "Esta noite a liberdade", de Dominique Lapierre e Larry Collins. Explicou-me que, visto que o assunto já tinha sido tratado em outros órgãos de informação, tinha-se tornado numa notícia incontornável.
Pelo meu lado, disse-lhe que
aceitava falar sobre o assunto desde que, à partida, ela reconhecesse que uma afirmação desta gravidade - pondo em causa a honra e a dignidade profissional de uma pessoa - não podia ser tratada reproduzindo simplesmente a afirmação e ouvindo a defesa. Porque
o simples facto de se reproduzir a afirmação, sendo ela falsa, equivalia a amplificar e difundir uma calúnia, com consequências e efeitos que, como bem sabemos, jamais podem ser integralmente apagados, contrariados e desarmados. Ou seja, uma coisa era ela reproduzir os meus argumentos em defesa própria - que têm o valor e o alcance que terão - outra coisa era o jornal não se dispensar de fazer, ele próprio, previamente, uma reflexão e análise sobre o fundamento das acusações, para que os leitores pudessem melhor e imparcialmente chegar a uma conclusão. Em particular, disse-lhe que ela deveria, portanto, começar por consultar os dois livros, o que desde logo a habilitaria, por exemplo, a concluir por si que, quando o blogue dizia que ambos começavam da mesma forma, tal era falso. E que as frases de duas páginas do meu livro, que o blogue acusava de serem "tradução" do outro, tinham apenas em comum a reprodução de factos biográficos referentes a figuras históricas, resultando a semelhança narrativa apenas de uma hábil colagem, por parte do autor do blogue, de excertos dispersos do outro livro, de forma a condensá-los numa frase aparentemente contínua que se assemelhava às minhas. Enfim, e sobretudo, uma consulta a ambas as obras concluiria facilmente que elas não tinham rigorosamente nada em comum - quer no género literário, quer na história, quer na localização geográfica e histórica do enredo, quer no estilo literário. De comum têm apenas o facto de serem livros.
A isto
respondeu-me a jornalista que não lhe era possível obter o outro livro, o qual estava fora do mercado. Obviamente, não penso que isto seja argumento para dispensar a tal análise critica sobre o conteúdo da acusação, que referi -
até porque havia sempre a possibilidade de consultar os exemplares em depósito legal na Biblioteca Nacional - conforme veio a fazer outro órgão de informação, para concluir que o suposto plágio era uma acusação puramente caluniosa. E assim ficámos.
No dia seguinte, a referida jornalista assinou no "PÚBLICO" um texto, juntamente com a jornalista Bárbara Reis, intitulado
"Miguel Sousa Tavares faz queixa-crime contra anónimo que o acusa de plágio". No referido texto, toda a análise sobre a veracidade da acusação reduz-se à reprodução das minhas declarações ou das do meu editor, António Lobato Faria - o que, como é evidente e sendo nós parte interessada, diminui substancialmente o seu valor: acredita quem quiser. Não houve sequer o cuidado de consultar o meu livro para confirmar que ele, de facto, não começa conforme o blogue diz que começa. E uma coisa é ser eu a dizê-lo em minha defesa, outra é ser o jornal a dizê-lo, como informação factual.
Pior ainda, porém. Tendo escrito sem ter consultado o livro supostamente plagiado (e, provavelmente, nem o meu...) as duas jornalistas assinaram, a meio do seu texto, esta frase absolutamente assassina: "
Há muitas ideias parecidas e frases praticamente iguais". Ora, o que é um livro que contém muitas ideias parecidas com outro e frases praticamente iguais? Um plágio, obviamente.
Gostaria, por seu intermédio, Sr. Provedor, de perguntar às jornalistas quais são as ideias praticamente iguais entre um romance que trata da escravatura em S. Tomé e Príncipe no início do século XX, acompanhado de uma trama amorosa, e outro que é o relato histórico do mandato do último Vice-rei da Índia Inglesa? E quais são as frases praticamente iguais?
E a si, Sr. Provedor, gostaria de perguntar se estas são as regras em vigor no livro de estilo do "PÚBLICO" e as regras de um jornalismo responsável?", escreveu Miguel Sousa Tavares (de quem sou amigo há décadas).
Inquiri, portanto, as jornalistas.
PROVEDOR
As jornalistas Bárbara Reis e Joana Gorjão Henriques leram o "Equador"?
- RESPOSTA DAS JORNALISTAS Sim.
- PROVEDOR: Leram o livro de Lapierre e Collins intitulado "Freedom at Midnight" ("Esta Noite a Liberdade")?RESPOSTA Não.
- PROVEDOR As jornalistas do PÚBLICO confrontaram o conteúdo do blogue anónimo sobre MST com os dois livros?RESPOSTA Apenas com "Equador".
COMENTÁRIO DO PROVEDOR - Confrontar significa "comparar". E aquilo que estava essencialmente em causa era comparação entre o "Equador" e "Esta noite a Liberdade".
As jornalistas não leram uma das obras, mas reproduziram as acusações.
Consideraram, portanto, que o blogue anónimo era credível. Independente de o ser ou não, o jornalismo tem regras: recortar a informação é uma delas. [...]
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