Parece que já foi tudo descoberto pelos filósofos da antiguidade, hoje apenas oferecemos um ângulo diferente para os problemas. Toda a gente sabe que qualquer relação carece de reciprocidade, atenção, interacções - que podem ser simétricas quando ambos dão o mesmo um ao outro; ou assimétrica quando um dos elos duma relação dá mais do que o outro. Aqui o prato desiquilibra para um dos lados, neste sentido também as relações de amor são relações de poder.
Mais grave é quando tratamos as pessoas como coisas, aí dá-se um desequilíbrio que pode desencadear conflitos. Vejamos alguns exemplos comezinhos da história da filosofia moderna: Kant ao evocar que o homem é um fim em si mesmo está a dizer que nos devemos tratar como tal, e nunca instrumentalizarmos as pessoas de molde a atingir os nossos objectivos. É básico isto.
O próprio Nicolau, que viveu cerca de 200 anos antes do (I)Manuel Kant - deu um sinal contrário, talvez porque tivesse compreendido melhor a natureza humana e era menos idealista do que Kant, então ensinou o Príncipe a fazer-se temer para melhor se fazer obedecer. Não foi por acaso que talvez o maior filósofo do séc. XX, Sir Bertrand Russel - tenha cunhado o Príncipe de um manual para o uso de bandidos (que exagero!!), posto que, segundo ele, Maquiavel tinha ensinado os governantes a governar com base no medo que lhes inspira. Nesta conformidade, e tal não decorre da maldade de Maquiavel mas porque ele constatou isso na natureza humana, a filosofia inspirada no Príncipe levava as pessoas a instrumentalizarem-se entre si, logo a admitir o conflito nas suas relações. Portanto, Maquiavel e Kant desenvolvem filosofias e modos de vida antagónicos: aquele é transpersonalista porque vê no homem um meio para obter um fim; Kant é personalista - porque vê no homem um fim em si.
Depois vem o pai Tomás, ou melhor Thomas Hobbes - outro realista que antes de ser um filósofo do poder era um excelente psicológo. Aliás, quem não conhecer a condição humana não consegue perceber a fundo a política, que mexe com emoções e racionalizações. E é com Hobbes que se conclui que a felicidade entre as pessoas deve assentar no equilíbrio de poderes, é daí que ressalta a chave de poderes para uma ligação saudável entre as pessoas. Aliás, se elas pensassem bem nos custos e transtornos motivados por um divórcio, permaneceriam casados...
O que Lou Marinoff faz de diferente é sacar da filosofia a vertente de psicanálise assente no paradigma biomédico que ajuda as pessoas a não entrarem em conflito. Talvez não fosse por acaso que dantes as disciplinas de filosofia e psicologia eram indissociáveis e até eram administradas pelo mesmo professor. Sou desse tempo, e só vi vantagem nessa arrumação epistemológica ao nível do ensino secundário. Qual é, então, o mérito de Lou Marinoff??? Além de reinterpretar os filósofos à luz da modernidade tem o mérito, que é inegável, de projectar a filosofia para a esfera pública mundial, conferindo-lhe uma dimensão que doutro modo jamais teria. Sobretudo em Portugal - onde a senhora ministra da Educação (que, coitada, deve pensar que Kant viveu no séc. XXV e é um futurista; ou que Maquiavel foi treinador de futebol do Alverca ou do club de Marcelo que é o Braga e o Celorico de Basto; ou ainda que Martin Heidegger era um malandro porque se juntava com os sindicalistas Paulo Sucena e Carvalho da Selva para conspirarem e grevarem na 5 de Outubro...).. Entristece-me que a senhora ministra da Educação não transpire uma gota só de reflexão ou de densidade filosófica nas inúmeras intervenções orais que tem na esfera pública. Ora, isto não pode ser, mormente nesse ministério em que o titular deve, acima de tudo, dar o exemplo pedagógico, antes de ser um político. Até porque um bom político é, ou deveria ser, um bom comunicador. Guterres, Vitorino, agora Sócrates, todos procuram comunicar bem. Marcelo, só que este não é político, é só comentador. Fica, contudo, este registo por forma a que a locatária da 5 de Outubro não tenha ideias tontas, como a decorre de pretender eliminar a Filosofia do acesso ao ensino superior. Seria mesmo uma vergonha e um retrocesso cultural que isso viesse a ser sancionado. António Vitorino - cremos - já se manifestou contra essa alarvidade cultural que, esperemos, não venha a confirmar-se...
E é assim que a filosofia se transforma numa arte de viver bem, como diria o nossa amigo Aristóteles. Mas isto vai exigir do filósofo um engajamento, um compromisso que o obrigará a sair do seu casulo ou torre de marfim e até a assumir quase algumas funções clínicas clássicamente adstritas aos médicos. Portanto, em vez de sair um prozac sai antes um kant para a mesa 4.
A filosofia deixará, assim, de ser uma ciência subsidiária, obscura e oculta e passará a ser uma ciência de intervenção social, apurando a teoria da argumentação, da dialéctica, da redescoberta, da desmontagem das falácias - tão importantes para analisar as condutas de agentes políticos como Durão & santana. Deixando ainda uma margem assinalável para a filosofia da linguagem e o estudo da semântica no jogo de conceitos cada vez mais importante nesta pluralidade de significados sociais.
Julgo que tudo isto interfere com os tipos de conversação, com a estrutura da linguagem, com a própria comunicação, logo com as possibilidades de maior e melhor entendimento entre as pessoas, dado que também melhoram os canais dessa comunicação. Nesta linha, a filosofia seria um instrumento colocado ao serviço da arte de viver bem. Se a filosofia conseguir antecipar este papel social, ela deixará de ser a velha ave de minerva que só levanta vôo ao entardecer, para passar a ser uma ciência antecipativa e de intervenção social, além de altamente reflexiva.
Se assim for, a filosofia será uma ciência do nosso tempo, menos metafísica e mais física operando também em maior articulação com as demais ciências sociais que operam no domínio mais alargado do processo de conhecimento. Mas não será isto pedir demais à filosofia, passando duma função apagada para um papel de quase gestor do conhecimento? E como reagirão as outras ciências com as quais a filosofia terá de interagir? A Psicologia clínica, a sociologia, a História, a Medicina, a Biologia... haverá cedências? Haverá também o perigo, se levarmos ao limite as indicações do sr. Lou Marinoff, de converter a filosofia numa espécie de psicanálise da metafísica, descurando o pensamento e o legado da velha filosofia...
Em suma, a filosofia parece estar numa encruzilhada, por um lado pretendendo reformar a humanidade, por outro não poder esquecer o seu papel tradicional na cultura Ocidental. Tendo, doravante, de adoptar novos conteúdos, interpretando novos desafios e problemas postos pela ciência, o conhecimento e a ética. Valorizando novas experiências intelectuais, históricas, concebendo novos conceitos e novas categorias do entendimento, religando epistemologias até então dispersas.
Se 20% deste ideário filosófico for concretizado não tenho qualquer dúvida de que teremos melhores estudantes, melhores professores e investigadores, melhores empresários e funcionários públicos, melhores padres (que com a sua preparação teológica acabam por não ver a floresta), melhores médicos, deputados, enfim, teremos uma sociedade de pessoas mais bem formadas, com mais ética e capacidade produtiva sem atropelar ninguém, como hoje sucede na generalidade das sociedades europeias. E uma sociedade assim não deixará espaço de manobra para a mentira na política, para as falsas promessas, para as ambições oportunistas, para o assalto aos lugares do Estado, para a instrumentalização do poder em benefício próprio como fez o "transmontano de Bruxelas" (durão barroso) - inflingindo a Portugal hoje uma pesada factura por alguns desses figurantes da política terem enjaulado o país dentro da gaiola de ferro que Weber falava.
Portanto, felicitamos aqui o sr. Lou ainda que ele não se tenha apercebido até onde poderão ir as consequências do seu saudável prosac...
Esta reflexão é dedicada aos filósofos portugueses que nunca tomaram prozac, embora reconheçamos que com certos políticos a coisa só lá vai assim. Aos que andam por aí ... receita-se mesmo um contentor deles... Os que sobrarem podem e devem ser canalizados para Bruxelas em mala diplomática via Negócios Estrangeiros, porque os próximos tempos irão recomendar a sua administração terapeutica...
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