quinta-feira

Uma troika de reflexões - por Fernando Pessoa -

UMA RADIOGRAFIA DA NATUREZA E DA CONDIÇÃO HUMANA NA ASSEMBLEIA DE HETERÓNIMOS PESSOANOS
1.
Tenho que escolher o que detesto - ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a acção, que a minha sensibilidade repugna; ou a acção, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu. Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum; mas, como hei-de, em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa e outra.
2.
Tive grandes ambições e sonhos dilatados - mas esses também os teve o moço de fretes ou a costureira, porque sonhos tem toda a gente: o que nos diferença é a força de conseguir ou o destino de se conseguir connosco. Em sonhos sou igual ao moço de fretes e à costureira. Só me distingue deles o saber escrever. Sim, é um acto, uma realidade minha que me diferença deles. Na alma sou seu igual.
3.
Comprar livros para não os ler; ir a concertos nem para ouvir a música nem para ver quem lá está; dar longos paseios por estar farto de andar e ir passar dias ao campo só porque o campo nos aborrece.
in Livro do Desassossego, Fernando Pessoa (composto por Bernardo Soares, o seu meio heterónimo)

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Uma das muitas coisas que me fascina em Pessoa é que somos sempre tantos, muitos, muitíssimos e, por vezes, tão poucos, nenhuns ou mesmo ninguém!!! Chego mesmo a pensar se com tanto desassossego assim alguém existe, alguém acontece... Mesmo que respire e diga presente (ausente)!!