terça-feira

Exame de consciência (pessoano)

Há dias diferentes, temos um embate com a Justiça e ganhamos. Ganhamos sem mexer uma palha, tamanha a força dos factos e da razão jurídica que nos assiste. É como derrotar o adversário só olhando para ele, sinalizado alí pelo nosso amigo Sun Tzu. O qual escreveu há 2000 mil e nem o Carl von Clausewitz o desactualizou, escrevendo 1800 anos depois. Formidável. É um vencimento por telepatia. Um vencimento justo, racional, real e lógico. Mas o dia ainda se torna diferente quando fronteira numa (verdadeira) alegria. Num daqueles contentamentos de "dentro", mais íntimos que as vísceras. Neste caso uma alegria que mora dentro duma caixa de correio que guarda um livro. Atrasado, mas livro. E quem é, quem é?! O bom do Fernando Pessoa. E porquê? vamos ao testemunho do homem da prenda, duma grande prenda, a melhor prenda:

Se tirássemos à figura miudinha do Pessoa o bigode e o lacinho encontraríamos o teu avô dos anos 40, com o seu chapéu, a gabardine, o Diário de Lisboa dobrado debaixo do braço. Quem sabe se tinham acabado de se cruzar na R. da Madalena onde ele tinha um escritório!? Aparentemente todos iguais, na realidade todos diferentes...

cit. de - Joaquim Paula de Matos, autor do Memórias Futuras

Eis a pérola com que o senhor meu Tio me distingue, ainda por cima de Espanha onde se encontra a veranear, para gozo geral. Ainda há boas reformas... Mas adiante!!! Dar de caras com o Pessoa na caixa do correio é algo inexplicável, é viver a vida em sonho, é confessar um desejo de voltar para trás, regressar ao séc. XIX-XX com o que já acumulados em saber no III milénio. É, no fundo, manipular a vida, o tempo e o espaço. É mecanizar todo o saber dos séculos, einsteinianos e outros. É dizer (já) muita baboseira ao mesmo tempo num espaço muito curto. Mas o que é tudo isto senão a busca da felicidade?! Ou de qualquer outra coisa que possa ter esse nome. É o tal devaneio contínuo que falava o Pessoa. Uns vão para o Brasil, outros ficam por cá, outros nem cá nem lá... Andando no limbo dos dois lugares que a ilusão da vida dá. Mas o que se pretende significar é coisa diversa: algo que converge com aquilo que Pessoa dizia de si, do seu estado de esprit. Em rigor, este blog não é um blog, não passa dum estado d'alma, visto por todos os lados, percorrido por muitos caminhos. E quando pensamos que aqui rasgamos ou abrimos trilhos diferentes, olhamos para trás e zás: lá vem um Heráclito, um Eclesiastes dizerem-nos quão desactualizados estamos, quão velhos somos, ainda que levemos em ombros uma certa ideia de originalidade. Até dá vontade de dizer, alado pelo Pessoa, que a minha alma está cansada da minha vida. O corpo já está a precisar é de Brasil, de mais Brasil... Talvez lá o poema mude e a narrativa ganhe ori-gi-na-li-da-de. E fôlego... Ufff!!!

  • Indo aqui ao lado, deparo-me com "isto". Isto é um dos textos mais belos, densos e reflexivos que já li na minha vida de 40 anos. Será que um homem para escrever "isto" tem de permanecer 30 dias no Brasil!? Se for é um tempo bem empregue. Imagino o que escreveria se por lá ficasse 12 meses...

in JAM, Sobre o tempo que passa:

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E voltei citar o velho lema de Sá de Miranda. E a dizer o que aprendi em Soljenitsine e Tchekov: espreme, gota a gota, o resto de escravo que guardas dentro de ti.