O drama de Marcello, a tragédia do País
- Assinala-se hoje o centenário do nascimento desse homem letrado, de vincada cultura clássica, eminentemente francófona e um grande administrativista - que foi Marcello Caetano. Além de excepcional referência no domínio do Direito Administrativo (que teve em Freitas do Amaral o seu mais dilecto delfim) também "deu cartas" no outro ramo do direito: o Direito Constitucional - cujo livro ficou como referência para os seus colegas, alunos e pessoas interessadas pelo estudo dos fenómenos sociais e políticos (integrado pelo Direito). Foi por aí que comecei a estudar na Universidade os factos políticos, o Poder, o cruzamento com a Sociologia, a História das Instituições e das Ideias Políticas, o próprio Direito Político, o papel da Ciência Política no estudo do Direito Constitucional, e, numa perspectiva de estudo comparado, a evolução do Constitucionalismo inglês, francês e, naturalmente, o norte-americano - filho que foi da revolta contra as prepotências tributárias do então todo poderoso Reino de Sua Majestade.
- Nesse sentido, Marcello deu aos estudantes de Relações Internacionais - que na década de 80 se aventuraram por esses caminhos - um espírito altamente metódico, sistematizador mas, ao mesmo tempo, ambicioso e abrangente na medida em que sugeria ao leitor uma tal complexidade de matérias que, no final, a sua articulação lá se encaixava umas nas outras fazendo um todo harmonioso. É óbvio que quem já tinha lido os clássicos, como Aristóteles, Erasmo de Roterdão, Maquiavel (e outros) - não se espantou muito, mas colheu alí um esprit de método que ganhou dimensão e actualidade nas questões de fronteira, como referimos: a Ciência Política, o Direito Constitucional e a Teoria Geral do Estado - depois complementada pelas leituras de Reinhold Zippelius...e algum do juridismo da escola germânica.
- Contudo, creio que devíamos ter começado estas notas ligeiras sobre esse grande esprit científico e genial pedagogo que um dia cometeu o erro grosseiro de se meter na política (e o mesmo é aplicável a um seu rival ainda vivo, Adriano moreira, embora com menor densidade intelectual mas de igual erratismo, vulnerabilidade e inconsequência política), com uma nota prévia. Julgamos, contudo, ainda ir a tempo:
- É que comentar os ditadores em democracia (e Marcello foi um ditador suave ou ligth) - não deixa de ser um exercício pouco corajoso, sobretudo para aqueles homens e mulheres que então pagaram com a sua própria vida essa audácia... Mas Marcello, dizia, escapa à tipologia do senhor absoluto do quero, posso e mando, mas que, ainda assim, foi mais fruto das circunstâncias do que dono delas. E aparece a tentar pilotar o regime na sequência de dois factos: a morte clínica de Salazar e o consequente convite de A. Tomáz para o substituir e evitar o vazio de poder.
- Tudo se poderia ter passado da mesma forma se o convite fosse dirigido a Adriano Moreira - que então se perfilava como delfim de Salazar, mas cuja dimensão política ainda era curta demais para essa delicada empresa. Daí resultou ter ficado à porta do poder que cumulou com o ressentimento e trauma que ainda hoje guarda por nunca ter passado de um delfim frustrado e também por nunca se ter sentado na cadeira de S. Bento - senão como convidado ou súbdito de Salazar - que serviu. E como nunca conseguiu contornar a figura maior de Marcello Caetano - Adriano moreira tenta suplantá-lo noutra esfera: a académica ou científica - através do seu livro de Ciência Política - mais chegado à cultura anglo-saxónica, por contraste com a formação francófona de Marcello Caetano, embora haja quem defenda convictamente - até na Universidade que o ex-ministro do Ultramar de Salazar formatou (o ISCPU) - tenha decalcado o seu manual através do livro de Sociologia Política de Roger-Gérard Schwartzenberg - redigido uns bons anos antes...
- Talvez por isso pense que quando se analisa o trajecto político de Marcello Caetano podería muito bem estar a falar-se de Adriano Moreia - exactamente com os mesmos resultados políticos e consequências pessoais, apesar de sabermos que Marcello (distintamente!!!) manteve-se coerente até ao fim de sua vida, cuja factura pagou no Rio de Janeiro onde veio a morrer, isolado de tudo e de todos, como um cão - abandonado numa valeta... Nisto, e por ironia do destino, Marcello teve carácter, apesar de desaprovarmos qualquer tipo de ditadura: frouxa ou absoluta - que ele tenha reencarnado.Mas não deixou de ser um fruto do seu tempo e do quadro de mentalidades que então vigorou um pouco por toda a Europa - que entrara em convulção e em transição.
- Marcello foi, pois, um pequeno ditador que governou o Estado português numa emergência, tentou modernizar o país, embora sem consensos e uma base social alargada, e sempre muito traído - quer pelos sectores mais conservadores, pelos seus traidores da política, pela não adesão do povo e dos militares e, por regra, pela globalidade da sociedade que via nele mais o intelectual arrogante sem jeito para a política - que cedo recebeu o odioso de décadas de regime salazarista. Daí à queda, acelerada pela descolonização lamentável e dramática, foi um ápice.
- De modo que Marcello - segundo me recordo - dado que em 1974 tinha apenas 8 anos - foi apenas um ditador-ligth, um intelectual na política que falava com o dedo indicador em riste naquelas Conversas em Família - (que nunca chegaram a ter o élan das reflexões mais erráticas de Vitorino Nemésio com a sua rúbrica Se bem me lembro...) - procurou assumir solitáriamente o poder sobre o Estado mas nem a sociedade conseguiu conquistar.
- Terá Marcello sido um ditador moderno? Não creio, dado que não dispôs nem de tempo nem de fôlego reformador para refundar o país. Poderá ser comparado - hoje a outros ditadores de esquerda e de direita? - como Fidel Castro, a Mussolini (na Itália), a Hitler (na Alemanha, e à direita do espectro político) - e a outros ditadores que foram ascendendo ao poder e dissolvendo as liberdades constitucionais e minando a liberdade às pessoas? Não cremos na legitimidade intelectual dessa comparabilidade. Marcello foi, acima de tudo, um intelectual autoritário que tentou (sem sucesso) fazer o take-of económico e social a um Portugal doente e anquilosado.
- Mas não matou ou mandou matar ninguém, nunca conseguiu concentrar absolutamente o poder na sua pessoa, não dispunha do culto da personalidade, agilizou a Pide, e o carisma de que gozava inscrevia-se no domínio intelectual, científico e académico. E, sobretudo, destaca-se como grande administrativista e genial escritor da língua portuguesa, que depois de Eça de Queiróz - parece ter sido quem melhor e mais proficientemente dominou e escreveu a língua de Camões.
- Na prática, seria alguém com quem hoje o sr. Zaramago, que parece ter sido já nobilizado, poderia até começar por aprender a escrever português, ainda que discordasse dele politico-ideológicamente...
- E por falar de ditadores, recordamos aqui que esse nóbel luso por altura do 25 de Abril dirige o DN - e é nessa qualidade que faz saneamentos políticos a colegas seus jornalistas - apenas por não serem comunistas ou discordarem das orientações ideológicas moscovitas que o PCP - e o sr. Zaramago - então defendiam para Portugal. Ditador por ditador - preferia, de longe Marcello Caetano, apesar de me identificar com a democracia, e tudo quanto a limite deve ser banido da convivência social.
- Mas a memória que melhor guardo de Marcello Caetano é, de facto, a de um homem culto, superiormente inteligente, sem jeito para a política - que aí se aventureirou e também aí destruiu a sua vida e os laços que tinha ao seu país. Aqui as similitutes com o seu rival Adriano - que tentava ampliar o seu eco político a fim de preparar o seu caminho para o poder, são gritantes, apesar da retro-história ser um exercício quase impossível de se fazer.
- Marcello deixa, pois, o país numa encruzilhada, entalado entre a necessidade de reforma e a doentia continuidade - que herda do legado salazarista. Politicamente, Marcello é tíbio, hesita nas estratégias a desenvolver, talvez porque não acreditou convictamente nos fins que se propôs materializar, desde a democratização do regime até à própria descolonização - de tão problemática que se tornou para milhares e milhares de portugueses. Mas talvez aqui o Memórias Futuras possa dar uma achega a esta problemática, já que foi também ele que me desafiou a deixar aqui o meu testemunho de criança e de adulto - em que todos percebem o que Marcello diz, mas todos, caricaturalmente, desconhecem o que ele quer(ia) para Portugal.
- Sob estas circunstâncias políticas (frouxas), sociais e culturais - geradas por Marcello - os ensaios golpistas ganham mais fulgor e o caminho fica mais facilitado para a revolução, o que acabou por suceder. Marcello tornou-se, pois, na prova provada de que o feitiço se virou contra o feiticeiro, já que não levou tão longe quanto seria desejável as reformas democráticas, ficando depois sequestrado nesses indícios - quando a ala liberal resolve empreender a ruptura - que isola cada vez mais Marcello - obrigando o decadente e inepto PR - Américo Tomáz - a isolar ainda mais o Presidente do Conselho - fazendo com que Marcello ficasse, efectivamente, só.
- Foi em parte essa imagem de Portugal pessimista, black & white, pobrezinho, rural, autoritário, invejoso e vingativo (tal como hoje, aqui Camões continua, lamentavelmente, actual...) feito de polícias e muita-muita padralhada cheia de vícios pedófilos que ainda hoje mantém). Eis as memórias que guardo desses anos em que Marcello aparecia na tv naquelas infindáveis Conversas em Família - que de laços familiares nada tinham, como depois se demonstrou, até para o próprio que, algo injustamente, foi morrer ao Brasil, quando outros - falsos democratas ainda por aí passeiam a sua surdez, e jurando a pés-juntos que sempre foram democratas e pluralistas.
- Todavia, temos a certeza de que se amanhã o mundo virasse, e com ele Portugal caísse numa outra ditadura os restolhos de Belém seriam os primeiros a aparecer de braço no ar afirmando à turba que nunca haviam deixado de ser salazaristas, e sinalizariam essa sua atitude com a velha saudação meio hitleriana da Mocidade Portuguesa.
- Nunca mais poderei esquecer, aquela cena - bastante caricata que mina a credibilidade até a um gato - de ver o conhecido historiador José Hermano Saraiva - afirmando num programa em directo (salvo erro dirigido por Júlio Isidro) afirmando que Salazar sempre fora um grande democrata...
- Por isso, hoje defendemos que quem se deveria sentar naquela cadeira frente a Judite de Sousa na RTP1 - para a grande entrevista - não era a filha de Marcello Caetano que ainda é uma Mulher linda - e também não foi poupada pelos restolhos de serviço para as bandas da Junqueira...) mas sim o referido historiador, os veigas simões e os adrianos deste regime faz-de-conta que hoje é democrata-mas-amanhã-bem-poderia-ser-uma-ditadura-dura-dura-dura...
- O problema, meus amigos, é que o desgraçado do Marcello é que levou com todo o odioso de 40 anos de salazarismo, embora por aí ainda pululem nas ruas e nos corredores do poder democrático inúmeros assomos salazarengos, se bem que disfarçados de democratas - por entre fundações, subsídios de Estado, reformas chorudas e, sobretudo, muito-muito nepotismo no seio do aparelho de Estado que ainda tolera no seu ventre homens genética e estruturalmente antidemocráticos que só foram tolerados e integrados na democracia pela sua ciência da ratice e da inteligência maquiavélica que dedicaram aos chamados processos de sobrevivência política e pessoal.
- São memórias fugazes de um puto de 8 anos, mas igualmente marcantes - porque hoje revisitadas no mesmo homem de quase 40... Como o tempo passa, as ditaduras morrem, apesar dos ditadores ainda vegetarem por aí, sob a capa de democratas de sempre...
- A história, a razão, a justiça e o common sense obriga a que esses ratos da democracia sejam desmascarados, quer estejam vivos ou mortos. Tudo para que a história não se repita, e a ausência de Liberdade não regresse novamente à cidade privando o Homem de respirar o seu mais poderoso bem: a LIBERDADE.
- Dedicamos este post aos verdadeiros e autenticos amantes da Liberdade, os mesmos que têm a coragem de combater os restolhos que se infiltraram na democracia e a parasitam há décadas - para gaúdio e usufruto familiar e pessoal.
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