Já não somos só espectadores, também naufragamos
O problema, economia aparte, é que vivemos permanentemente na esperança ilusória assente em nos considerarmos demasiado importantes. Por isso, por causa da maldita alienação narcísica, por causa dessa velhaca soberba, nem sequer conseguimos imaginar que as coisas continuam indiferentemente a existir sem nós. Basta meditar se o mundo se alterou uma vírgula depois de amigos ou familiares nossos terem morrido. Não. Mesmo quando vivemos com uma existência de vida que escapa aquele maldito naufrágio parisiense - quem é europeu - e já mui luso - restam sempre os grandes abismos: os da reflexão e do pensamento, os da organizaçao da "memória" do passado e do futuro, os do Estado - essa criatura linda de morrer e de fugir a 9 patas, os da metafísica, da vida e da morte, resta-nos ainda um outro naufrágio: o naufrágio universal do mundo. O naufrágio da consciência e da posição de cada um perante a vida, os seus perigos e ameaças. O que fazemos?: - ficamos à margem ou vamos partir cadeiras nas cabeças dos polícias em Paris. E quem diz em Paris - diz em Lisboa - por força da globalização que tudo mundializa neste universo patológico em que vegetamos.
Dantes, quando ligava o televisor ainda tinha algum "prazer" com as desgraças alheias: fiquei satisfeito quando Sadam foi agarrado; fiquei apreensivo por G. W. Bush ter continuado; fiquei satisfeito por Fidel Castro ter dado aquelhe malhanço - pena ter só partido o pulso; fiquei apreensivo quando Zaramago se nobilisou - podia ter sido outro português, por várias razões, uma das quais por saber escrever; estou apreensivo por Bin Laden ainda anda por aí... não ter sido localizado e levado à justiça (esperemos que não deixem morrer este antes do tempo...); fiquei indiferente à morte do sr. Milosevic. Estas são as desgraças da guerra.
Piores são as desgraças da economia, que supostamente deveriam ter uma atitude friendly das pessoas. Mas não: a economia responde com o recibo verde. Hoje evito ver Tv, até porque sei antecipadamente que o prazer de ser espectador já não comporta o sucesso existencial doutros tempos. Dantes era espectador sem risco, com ingenuidade e colhia todo esse prémio nos prazeres simples do telever; hoje sou um espectador de risco, permeável ao enfarte existencial e a "recompensa" é, quase sempre, - independemente da fronteira geográfica que hoje é mais atmosférica - dado que os problemas (como a poluição) sobrevoam as cabeças dos Estados - num misto de apreensão e pessimismo. Quase que até dá vontade de dizer como aquele senhor francês que vende jornais: "o desespero é total", e a escapatória, no seu entender, estaria em emigrar. Pois ele que emigre, a Europa dá-lhe asilo, mas não garante emprego, mas certamente haverá por aí mais um livro de recibos verdes a aguardá-lo.
Este blog é dedicado a esses novos heróis da Europa, que mesmo sabendo-se em naufrágio ainda vão tentar aprender a nadar e salvar-se com uma tábua antes de embaterem num qualquer recife.
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