A História não tem regressso
Mário Bettencourt Resendes
Jornalista
Robert Cowley fundou uma das mais prestigiadas publicações norte-americanas, a MHQ: The Quartely Journal of Military History. Dinâmico e criativo, patrocinou também a edição de vários livros dedicados à sua área de especialidade.
Uma das iniciativas mais curiosas de Cowley é a série What if?, um trabalho de ficção em que vários historiadores reputados especulam sobre como evoluiria o mundo se alguns episódios decisivos tivessem conhecido um desfecho diferente.
O segundo volume da série data de 2001 e, por exemplo, desenvolve temas como o que aconteceria se Pilatos tivesse poupado Jesus Cristo, como se desenrolaria uma hipotética invasão da América pelas tropas de Napoleão, o que seria dos Estados Unidos se não tivessem existido Nixon, Johnson e Kennedy ou ainda um título "provocatório" que disserta sobre a História possível no caso de Pizarro não ter encontrado batatas no Peru. São exercícios académicos interessantes, bem escritos e ancorados na solidez dos conhecimentos dos autores dos textos, mas não passam disso. A História, como se sabe, não tem regresso.
Por caminhos semelhantes parecem agora pretender seguir alguns observadores da vida internacional. Perante a instabilidade crescente que se vive no Iraque, sugerem que, "se" não tivesse havido invasão e, portanto, Saddam ainda estivesse no poder, a situação seria bem mais "razoável". Adivinha-se que essa "razoabilidade" teria a ver com a tolerância ocidental perante a continuação de uma tirania responsável por centenas de milhares de mortes e pela invasão de países vizinhos. Continuaria a reinar a paz dos cemitérios, mas isso pouco importaria face à garantia de uma "estabilidade" interna que proporcionaria um sono tranquilo às chancelarias ocidentais.
É óbvio que o reparo não é inocente e coincide com um júbilo mal contido perante as dificuldades da Administração norte-americana em controlar o Iraque pós-Saddam. Mas é sobretudo uma perda de tempo e desvia as atenções daquele que deveria ser, na actual conjuntura, o objectivo central do eixo euro- -atlântico: reunir esforços e contrariar a tendência - de consequências de alto risco - para deixar o Iraque entregue a si próprio.
As quotas de popularidade de George W. Bush parecem ter batido no fundo e os barões do Partido Republicano não escondem a sua apreensão perante as consequências eleitorais da aventura iraquiana da Administração. Em Londres, Blair já foi ao ponto de remeter para Deus um julgamento futuro sobre a justeza da invasão. Ou seja, não é preciso ser particularmente perspicaz para se concluir que, dos dois lados do Atlântico, se começou já a preparar o terreno para o abandono militar do Iraque. A acontecer, será uma saída "sem honra nem brio", que nem por isso deixará de contar com um suspiro de alívio por parte da esmagadora maioria das respectivas opiniões públicas.
Espera-se que desta vez a Europa, e em particular as principais potências da União, resista à tentação de observar, à distância o descalabro do Iraque e a consequente humilhação dos governos que planearam e concretizaram a invasão. É uma oportunidade de ouro para que a UE demonstre que é capaz de atingir um desiderato comum em matéria de política externa e cooperação militar. E é tanto mais urgente quanto o problema nuclear iraniano exige uma abordagem que tenha em conta as lições da História recente.
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CENÁRIOS & RETRO-HISTÓRIA
Comentário questionante ao dr. Mário B. Resendes:
Após ler este interessante artigo, baseado naquela estimulante publicação norte-americana, gostaríamos de desafiar o dr. Mário B. Resendes a fazer, desta feita, um exercício que, cremos, é muito mais interessante e personalizado: aplicar o mesmo método ficcional ao caso português do pós-25 de Abril. E como ele tem uma vasta experiência política e editorial - ambas próximas do PS - julgamos que seria extraordináriamente fácil para ele responder a estes pequenos desafios. A saber:
O que seria de Portugal se o avião não tivesse caido em Camarate matando Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa?
O que seria do DN se o Público não existisse?
O que seria de Portugal sem os últimos 10 anos de Sam paio em Belém? Uff)))
O que seria hoje de Portugal - e até da autarquia lisboeta - se, porveNtura, fosse possível Santana Lopes continuar (ainda) à sua frente?
O que seria Mário Soares sem a sua Fundação?
O que seria de Portugal se Soares e Alegre dessem as mãos na corrida a Belém?
O que seria do dn se o dr. Garcia Pereira assumisse a direcção do jornal e Vasco P. Valente fosse o seu vice?
O que seria de Portugal se Soares não tivesse sido, como lamentavelmente foi, PM de Portugal?
O que seria o Dn sem a Pt?
O que seria a PT sem o engº Belmiro?
Para já deixamos estas parcas questões ao dr. Mário B. Resendes - cuja experiência e domínio destas questões não deixará de lhe suscitar equivalente raciocínio retro-histórico - que permitirá cenarizar um painel de cenários caso as desgraças que sucederam ao país não tivessem de facto acontecido.
Aguardamos, pois, esses cenários aplicados ao caso Português. Aliás, sugerimos aqui até a criação de um suplemento dedicado a esse fim nomeando-me, desde já, o seu director. E sendo eu o director começaria, desde logo, por convidar a srª Ana Lopes a escrever noutro lugar porque as suas obsessões com a "vanessa" têm limites, a nossa paciência também e só um milagre nos explicará por que razão ainda essa senhora, contra quem nada tenho pessoalmente, continua a ter espaço num jornal de referência como deve ser o dn. Salvo se, o objectivo, passou a ser outro, o que me levanta outra questão:
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