Macro de grande, skopein de observar: observar o infinitamente grande e complexo. Tentar perceber por que razão a ave vive fascinada pela serpente que a paralisa e, afinal, faz dela a sua presa.
quarta-feira
A importância do nome
Mãos que falam, são as mãos do Vergílio que hoje é aqui muito modestamente relembrado. E é lembrado porque um anjo dos céus me lembrou que ele existia, apesar de já ter partido. Em suma: partiu mas ficou como muitas outras coisas e pessoas que nos próximas e queridas.. Algumas são só queridas e irregularmente próximas.
E como ficou vou aqui contar a importância do nome que temos nas nossas vidas. Lembro-me, dizia Vergílio, que um dia tive de cortar a cedilha aum aluno que se chamava Pica. E de uma aluna com um terrível apelido - "Cagarelho". Vergílio examinou depois o seu ADN e constatou que a menina era filha de seus pais, de nome Peixa Maria Cagarelha. Hoje cada vez que passo no Liceu Camões - onde votei anos a fio, lembro-me sempre do Vergílio e destas cegadas que gostaria de ter assistido, mas de que só tomei conhecimento através de leitura posterior.
Bom, mas a coisa não ficava por aqui, e a importância do nome assumiu outros contornos. Conta Vergílio que um médico seu amigo lhe dissera um dia que tinha duas pacientes que estavam no hospital onde exercia medicina. Uma era a Catarina Rabada Marmelada e a outra chamava-se Catarina Cagau Vermelhuda, tudo, portanto, "num estilo hemorroidal".
Feliz ou infelizmente, o nome acaba por se identificar connosco: sempre achei que certas pessoas deveriam ter cara de Pedro, outras de Miguel, outras ainda de Luís e alguns com o nome de Sócrates, o da Grécia antiga - que nos legou a Filosofia, a mãe de todas as ciências.
E sempre acabamos por responder pelo nosso nome, quando recebemos o cheque, quando somos chamados na escola, na universidade, na igreja, na biblioteca onde for. O nome é a nossa identidade.
Sucede, porém, como explica VF, que quando por graça ou teimosia rejeitamos o nosso nome, dizemos "Eu sou quem cá estou, talvez por comparação do que Deus disse a Moisés: "Eu sou quem sou".
E assim o povo vai imitando Deus, mesmo sem saber bem que Ele é; eu, por exemplo, nunca tive o seu telemóvel, mas gostava... Começava logo por mandar pagar as chamadas no destinatário. Aparte isto, o povo imita Deus nessa impersonalização, é o mesmo povo - especialmente entre os mais velhos - que se recusa categóricamente a tirar a fotografia, nem às fachadas da caras cortadas pelo sol e pela chuva e outras agruras da vida - eles permitem que bata xapa. Pura e simplesmente, muitos idosos não se deixam fotografar, nunca quiseram tirar o retrato.
Muitos de nós terão certamente pessoas mais velhas na família que nunca tiraram o retrato, por isso pouca ou nenhuma referência temos deles, e nem por isso deixamos de ter menos respeito por esses quase anónimos da família.
Mas a questão é outra, essa gente (antiga) recusava-se a tirar o retrato porque pensava que assim perderiam a sua alma. E perdendo a alma perdiam também toda a autonomia perante terceiros, apesar de nos permitir fixar a sua imagem nas nossas representações mentais.
Seja como for, o Vergílio é uma "pedra", é um cristal clear em movimento, e até quando tropeçava fazia boas narrativas. O Vergílio não perdeu a alma. O Vergílio anda por aí; um "aí" que é um paraíso para onde só alguns entrarão; um destino em que se pode levar uns cigarros, uma folha e um lápis. Com um bocado de sorte talvez deixem entrar pessoas com máquinas fotográficas...para capturar fachadas com memória.
Depende dos porteiros do céu, que esperemos sejam mais complacentes que os das discotecas que pululam por aí..., por vezes aos tiros e às facadas. Um tipo põe-se a pensar no Vergílio Ferreira - ao som dos Gentelman - Intoxication Confidence - e conclui que numa destas noites está só a querer curtir um som na companhia de boa música, e leva um tiro... Mundo estranho é o nosso. E aí já não importa o nome que temos ou deixámos de ter. As balas nunca respeitaram as identidades nem a vida...
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