terça-feira

Os "Cadilacs" do meu Tio Quim... By J. Paula de Matos

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  • Esta escolha foi arbitrária, e só visa situar o imaginário colectivo no capítulo dos relógios, que guardam o nosso tempo, ou as migalhas dele que se esvai com um sopro.. Já agora, que horas são? Diz-me também: sabes se o tempo anda às arrecuas..., como quem inverte os ponteiros dos relógios..
  • Só mais uma nota: sei que chegaste a ter um bom Ómega, branco como pena de pato a escorregar nas neves da Serra da Estrela.. Não percebi porque razão o omitiste da galeria da tua narrativa memorialista!!?? Certamente, para lhe dares a importância que ele merece. Ou será que tens algo contra as marcas importantes??
  • Se as marcas de R. que aqui divulgamos sabem que o estamos fazendo ainda nos pagam pela Pub.
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Pois é…as tuas recordações são as minhas memórias, algumas delas já condenadas à morte por definitivo esquecimento. Mais de meio século é tempo suficiente para se esquecer um relógio, mesmo quando ele foi o nosso primeiro relógio, mesmo quando ele simbolizava a transição para uma etapa seguinte da nossa vida, excepto quando um sobrinho abelhudo resolve fazer um blog sobre os relógios da sua vida. Quando, na década de 40, um menino fazia a 4º classe, passava na admissão aos liceus, deixava a escola e seguia para o liceu, mudava de estatuto, passava a ser rapaz e assumia uma outra posição hierárquica na sociedade, com novas responsabilidades que exigiam a posse de um relógio de pulso. Estava na altura de ser ele a ver as suas próprias horas, sinal de emancipação que marcava a sua entrada a sério na vida. A posse de um relógio, do meu primeiro relógio, enchia-nos de orgulho, ainda não éramos homens mas o primeiro passo estava dado e a prová-lo ali estava o relógio que o teu avô me deu com alguma pompa e circunstância marcando bem a importância da oferta por aquilo que ela representava perante as novas responsabilidades que a partir desse momento passaria a ter. Era um CORTEBERT (claro que o teu pai, que ainda não tinha direito a relógio, aproveitou logo a deixa para me chatear dizendo que ele era “bera”) metalizado, de tamanho médio, próprio para pulso de rapazinho. E foi assim, de uma forma solene e respeitosa que se iniciou a minha relação com o mundo dos relógios. Nada de curiosidades perigosas, para o relógio, já se vê, sobre o seu mecanismo e funcionamento. Sempre respeitei, com distanciamento, o que estava para alem do meu entendimento mas continuei sempre a olhá-los ao longo da vida como um objecto da minha intimidade, ao qual nos afeiçoamos, diferente de qualquer outro objecto e daí a minha relutância e dificuldade em mudar de relógio. Para mim eles são amigos e acima de tudo confidentes, marcaram todos os momentos da nossa vida, estiveram sempre presentes, correndo demasiado depressa nos bons momentos e com estranha indolência quando desejávamos que fossem velozes. Recordo o Tissôt que teu avô usava quando eu era miúdo, formato redondo, aro dourado mas discreto, linhas clássicas, o mostrador com alguma patine que lhe aumentava a distinção, tudo a ver com o respeito e a autoridade e mais tarde os Caunys que faziam lembrar os Cadilacs dos pobres porque tinham linhas próprias dos relógios de categoria mas eram acessíveis no preço. Não, nunca foram para mim objectos vulgares, mantiveram sempre algum do prestígio que um dia tiveram quando eu era menino, moldaram-se ao meu pulso como se moldaram à minha vida, talvez por isso tive apenas dois ou três relógios e as tentativas para mudar quase todas fracassaram porque o “meu relógio” tem que ser uma cópia muito aproximada do velho Tissôt do meu pai que tinha patine no mostrador e que os meus olhos de criança gravaram até hoje na minha memória. Obrigado Rui, ressuscitaste o meu CORTEBERT… a vida vai ficando muito comprida e, inevitavelmente, alguma coisa vai ficando esquecida… Desta vez era o meu primeiro relógio… salvas-te-o. Xau. Boa Tarde Tio Quim
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Nota minha: este aqui é, creio, o relógio do futuro - que todos nós um dia iremos usar. Com ou sem bracelete..., com ou sem vontade. Já pensaram nisso?! Se calhar, por medo dela (que anda aí... agora sob a forma de galináceo) , nunca têm tempo... Enfim, há sempre desculpas para não meditar na morte. Nem que seja à pala dos relógios que também já não guardam o tempo. O tempo nunca existiu senão na nossa imaginação, que nunca teve ponteiros..

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Rui: Image Hosted by ImageShack.usImage Hosted by ImageShack.usImage Hosted by ImageShack.us Sabes, as horas deixaram de ter grande importância para mim. O despotismo do relógio que marcou a minha vida durante tantos anos acabou no dia em que me reformei. Desde então só obedeço às horas que dito a mim próprio e elas são muito poucas. É certo que mantenho o relógio no pulso, sem ele faltar-me-ia qualquer coisa, sei lá, um sexto dedo mas agora consulto-o mais por curiosidade, força do hábito mas mesmo assim é um olhar diferente. Já não receio as horas que ele marca, até já as adivinho, tantos foram os anos a obedecer-lhe, basta-me, agora, o meu relógio biológico. Não é propriamente uma libertação mas assemelha-se porque as horas são agora todas minhas ou quase, já não há as horas do “patrão”, as obrigações ficaram lá para trás, o relógio perdeu importância, o tempo… é aquele que for. Durante toda uma vida obedeci-lhe, agora luto contra ele, procuro resistir-lhe já que sei que não o consigo enganar, um dia ele vai-me passar a perna… é o relógio do esqueleto que retrataste no blog.

Image Hosted by ImageShack.us É estranho como as coisas se alteram à medida em que vamos passando pelo tempo sim, porque as horas agora já não interessam, apenas o tempo, o tal que nunca mais passava fazendo-nos desesperar pelo fim-de-semana que nunca mais chegava e especialmente as férias, todas as férias, incluindo os dias feriados, mas muito especialmente as grandes, as do Verão, que obrigavam a negociações, algumas “leoninas”, do género…eu vou em Agosto que sou o chefe, vocês repartam-se pelos restantes meses. Lembro-me muito bem dessas férias, nos anos a seguir ao 25 de Abril, quando os portugueses descobriram o prazer das férias passadas no Algarve, durante 30 dias, encavalitados uns nos outros nos Parques de Campismo, cheios a abarrotar com bichas intermináveis (nesse tempo ainda se podia dizer bichas…depois vieram os brasileiros, transformaram as nossas bichas em homossexuais e… lá foram elas, as bichas que agora são filas…) para tudo e mais alguma coisa desde comprar pão, lavar a loiça, tomar duche…e tudo com um sorriso nos lábios, era a descoberta dos prazeres da vida em comunidade...os portugueses de então eram felizes, eram jovens, cheios de vontade de viver, de recuperar da noite Salazarenta e de concretizar todos os sonhos e projectos que a Revolução lhes tinha prometido… Pois é…o tempo que levava até essas férias chegarem…e sempre o tempo a marcar a vida, umas vezes porque não anda outras porque vai demasiado depressa e finalmente porque se torna uma ameaça à nossa vida. Isto, pensamos nós, com este dom que possuímos de pensar coisas porque ele, o tempo, não quer saber de nós para nada, vem lá de longe, dizem os sábios, de há 15 mil milhões de anos, quando tudo começou, no princípio, com os átomos de que somos feitos. Perguntas-me se o tempo anda às arrecuas como quem inverte os ponteiros do relógio e eu respondo-te que essa é uma questão que devia preocupar-me a mim e não a ti que tens praticamente outro tanto para viver de, acordo com as contas que tu próprio fizeste, mas eu aconselho-te a não te preocupares com o tempo a não ser o do Boletim Meteorológico, no outro, não penses nele, mesmo quando tiveres a minha idade, mesmo quando fores muito mais velho do que eu sou porque pensar no tempo é uma perda de tempo… A propósito das horas e dos relógios nunca tive nenhum Ómega branco mas se o tive e não me lembro é porque não foi importante, talvez mais um daqueles de transição, que não se pareciam com o Tissôt do teu avô, mas de todos que mostraste no teu blog um me pareceu familiar: o que está do lado direito do relógio solar e aparece novamente em baixo, ao meio. Qual a sua história? E agora…que já são horas…vamos deitar…quando é que eu ouvi isto? Xau, boa noite Tio Quim

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PS: Deve ter uma história, sim... Mas não a conheço. Mas existe algo de límpido naquele mostrador, algo que inspira confiança. Tem uma linha clássica que o torna intemporal. Acho que é um Tissôt, provavelmente a caixa é de ouro. Não me importava de o ter, mas mudava-lhe a bracelete. E tu se o visses - eras capaz de o comprar para ti?! Julgo que na Feira da Ladra há pra lá material desse.. Mas agora nunca se sabe, os galináceos ameaçam os mercados, o vírus que eles transportam são microscópicos e, assim, muitos outros vendedores, com receio de contrair o galináceo, acabam por ficar em casa. O melhor, sempre que o quiseres "usar", é regressar aqui a esta virtualidade cada vez mais real. Como o tempo que por ser de ficção chamo-lhe convenção.