Os "Cadilacs" do meu Tio Quim... By J. Paula de Matos
- Esta escolha foi arbitrária, e só visa situar o imaginário colectivo no capítulo dos relógios, que guardam o nosso tempo, ou as migalhas dele que se esvai com um sopro.. Já agora, que horas são? Diz-me também: sabes se o tempo anda às arrecuas..., como quem inverte os ponteiros dos relógios..
- Só mais uma nota: sei que chegaste a ter um bom Ómega, branco como pena de pato a escorregar nas neves da Serra da Estrela.. Não percebi porque razão o omitiste da galeria da tua narrativa memorialista!!?? Certamente, para lhe dares a importância que ele merece. Ou será que tens algo contra as marcas importantes??
- Se as marcas de R. que aqui divulgamos sabem que o estamos fazendo ainda nos pagam pela Pub.
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Rui: Sabes, as horas deixaram de ter grande importância para mim. O despotismo do relógio que marcou a minha vida durante tantos anos acabou no dia em que me reformei. Desde então só obedeço às horas que dito a mim próprio e elas são muito poucas. É certo que mantenho o relógio no pulso, sem ele faltar-me-ia qualquer coisa, sei lá, um sexto dedo mas agora consulto-o mais por curiosidade, força do hábito mas mesmo assim é um olhar diferente. Já não receio as horas que ele marca, até já as adivinho, tantos foram os anos a obedecer-lhe, basta-me, agora, o meu relógio biológico. Não é propriamente uma libertação mas assemelha-se porque as horas são agora todas minhas ou quase, já não há as horas do “patrão”, as obrigações ficaram lá para trás, o relógio perdeu importância, o tempo… é aquele que for. Durante toda uma vida obedeci-lhe, agora luto contra ele, procuro resistir-lhe já que sei que não o consigo enganar, um dia ele vai-me passar a perna… é o relógio do esqueleto que retrataste no blog.
É estranho como as coisas se alteram à medida em que vamos passando pelo tempo sim, porque as horas agora já não interessam, apenas o tempo, o tal que nunca mais passava fazendo-nos desesperar pelo fim-de-semana que nunca mais chegava e especialmente as férias, todas as férias, incluindo os dias feriados, mas muito especialmente as grandes, as do Verão, que obrigavam a negociações, algumas “leoninas”, do género…eu vou em Agosto que sou o chefe, vocês repartam-se pelos restantes meses. Lembro-me muito bem dessas férias, nos anos a seguir ao 25 de Abril, quando os portugueses descobriram o prazer das férias passadas no Algarve, durante 30 dias, encavalitados uns nos outros nos Parques de Campismo, cheios a abarrotar com bichas intermináveis (nesse tempo ainda se podia dizer bichas…depois vieram os brasileiros, transformaram as nossas bichas em homossexuais e… lá foram elas, as bichas que agora são filas…) para tudo e mais alguma coisa desde comprar pão, lavar a loiça, tomar duche…e tudo com um sorriso nos lábios, era a descoberta dos prazeres da vida em comunidade...os portugueses de então eram felizes, eram jovens, cheios de vontade de viver, de recuperar da noite Salazarenta e de concretizar todos os sonhos e projectos que a Revolução lhes tinha prometido… Pois é…o tempo que levava até essas férias chegarem…e sempre o tempo a marcar a vida, umas vezes porque não anda outras porque vai demasiado depressa e finalmente porque se torna uma ameaça à nossa vida. Isto, pensamos nós, com este dom que possuímos de pensar coisas porque ele, o tempo, não quer saber de nós para nada, vem lá de longe, dizem os sábios, de há 15 mil milhões de anos, quando tudo começou, no princípio, com os átomos de que somos feitos. Perguntas-me se o tempo anda às arrecuas como quem inverte os ponteiros do relógio e eu respondo-te que essa é uma questão que devia preocupar-me a mim e não a ti que tens praticamente outro tanto para viver de, acordo com as contas que tu próprio fizeste, mas eu aconselho-te a não te preocupares com o tempo a não ser o do Boletim Meteorológico, no outro, não penses nele, mesmo quando tiveres a minha idade, mesmo quando fores muito mais velho do que eu sou porque pensar no tempo é uma perda de tempo… A propósito das horas e dos relógios nunca tive nenhum Ómega branco mas se o tive e não me lembro é porque não foi importante, talvez mais um daqueles de transição, que não se pareciam com o Tissôt do teu avô, mas de todos que mostraste no teu blog um me pareceu familiar: o que está do lado direito do relógio solar e aparece novamente em baixo, ao meio. Qual a sua história? E agora…que já são horas…vamos deitar…quando é que eu ouvi isto? Xau, boa noite Tio Quim
PS: Deve ter uma história, sim... Mas não a conheço. Mas existe algo de límpido naquele mostrador, algo que inspira confiança. Tem uma linha clássica que o torna intemporal. Acho que é um Tissôt, provavelmente a caixa é de ouro. Não me importava de o ter, mas mudava-lhe a bracelete. E tu se o visses - eras capaz de o comprar para ti?! Julgo que na Feira da Ladra há pra lá material desse.. Mas agora nunca se sabe, os galináceos ameaçam os mercados, o vírus que eles transportam são microscópicos e, assim, muitos outros vendedores, com receio de contrair o galináceo, acabam por ficar em casa. O melhor, sempre que o quiseres "usar", é regressar aqui a esta virtualidade cada vez mais real. Como o tempo que por ser de ficção chamo-lhe convenção.
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