Ter um projecto é a questão decisiva para um político...
.. E é isso que não se encontra hoje em Portugal.
Estamos completamente dependentes da Europa para sermos gente.
Num rectângulo que, cada vez mais, parece minguar: de pessoas qualificadas que são obrigadas a emigrar, como ao tempo de Passos Coelho, num país de velhos e com uma taxa de natalidade regressiva, o que nos torna profundamente dependentes da imigração, até para suprir questões relacionadas com o mercado laboral, e não apenas com a natalidade.
Estes desafios criam na política e nos actores políticos uma pressão suplementar, designadamente nos políticos que passaram a ter de esclarecer as suas intenções e projectos para o futuro. E o futuro é, por natureza, o campo de acção do agente político.
Se formos mais longe, a equação do futuro consubstancia-se na tal visão de uma sociedade nova, traduzida em factos que possam organizar esse mesmo futuro coletivo. Ou seja, esse projecto, essa visão devem integrar-se num "grande projecto" - que deverá simultaneamente ser galvanizador duma nação, sob pena de a falta de entusiasmo questionar todo o edifício moral, económico e político dum país.
Tal projecto não pode resultar apenas dos pacotes financeiros aprovados em Bruxelas, e evocar a sigla do PRR, como se este fosse a panaceia para todos os nossos males. Devemos poder saber defender os direitos humanos sem descurar a segurança; libertar a economia do excesso de Estado (leia-se, de impostos) sem, contudo, negar a existência dum Estado com autoridade e que cumpra as suas funções económicas e sociais; zelar por uma mais justa distribuição das riquezas produzidas sem penalização da livre contratação, como forma mais eficaz de gerir a sociedade; ajustar as leis à evolução dos costumese das mentalidades e, ao mesmo tempo, preservar os valores morais e a tradição.
A História parece oferecer a lei do eterno retorno das ideias, das situações e dos problemas comuns sempre recorrentes. Os ciclos vão e vêm, com os movimentos do liberalismo, do socialismo, da liberdade, da guerra e da paz, da mudança, da soberania no contexto de sociedades mais ou menos permissivas e mais ou menos repressivas.
Tivemos meio século de ditadura seguido de meio século de democracia, mas se nos perguntarem qual é o desígnio de Portugal atualmente, não sabemos. Neste último ano, por força de escândalos que se sucedem lamentavelmente no seio do governo e a uma velocidade estonteante (que não deixa espaço e tempo para a governação); nada é mais arriscado do que afirmarmos essa tal visão apenas assente nos fluxos financeiros do PRR que, por sinal, merece a queixa generalizada da grande maioria dos empresários, que não podem contar com um Estado e administrações públicas agéis, eficientes, transparentes e com uma atitude friendly perante o empresariado, que é quem efetivamente cria riqueza e prosperidade em Portugal.
Pede-se um desígnio para a nação acompanhada de administrações públicas agéis, mas o que encontramos é um universo de intriga palaciana temperada pela mediocridade e a banalidade.
Como governar bem perante um quadro diário em que ministros conflituam entre si, adiantam mensagens contraditórias para a opinião pública, interferem grosseiramente na gestão das empresas públicas, retirando-lhes depois legitimidade de tutelar com rigor e credibilidade essas mesmas empresas públicas em que o Estado tem participações sociais.
O desaparecimento do império e das colónicas deixou-nos completamente à mercê dos fundos europeus, mas essa dependência encurtou-nos significativamente o nosso campo de acção, agravado por um Estado (socialista) que está há quase uma década seguida no poder e nem por isso tem conseguido fazer as reformas na economia e na sociedade que se impõem.
António Costa detesta fazer reformas no Estado, porque isso vai contra interesses instalados, mas a realidade e o bem comum (Aristóteles), o tal interesse/vontade geral (J.J. Rousseau) aconselhavam a que já se tivesse feito inúmeras reformas, designadamente na estrutura, funcionamento e agilidade do próprio Estado que hoje ainda é demasiado pesado, razão por que o governo socialista sobrecarrega os portugueses com uma das mais onerosas cargas fiscais da Europa, como evidencia o último relatório da OCDE.
Governar não se reduz a dar umas migalhas às reformas dos nossos velhos em momentos pré-eleitorais ou sob pressão do majistério de influência do PR, descurando os salários dos jovens que saem da faculdade; governar não é permitir que o mercado da habitação atingisse o nível de usura e inflação que temos entre nós, obrigados que fomos a expulsar as pessoas do centro das cidades e dos bairros históricos para aí serem plantados AL; governar é um acto mais nobre do que apresentar medidas de carácter publicitário para folclore político e alienar as massas e, no limite, o poder em funções se perpetuar ainda mais em funções, mesmo que revele impreparação e incompetência para o seu exercício.
Governar é antecipar o futuro e reforçar as melhores condições de vida do presente. E o Portugal destes últimos anos entrou num marasmo, mesmo em maioria absoluta, e isso deve-se, essencialmente, à rotinização do poder pelo mesmo partido que faz com que os interesses instalados continuem ainda mais instalados, o que lesa profundamente o bem comum dos portugueses.
Por vezes, é preciso abrir a janela e deixar entrar ar fresco, porque a sala já tem um cheiro fétido, prenúncio de que algo vai mal nesta República sem destino, neste rectângulo cada vez mais na cauda da Europa..