A grande escritora, Maria Lejárraga - que apagou seu nome para que o marido levasse o crédito por suas obras
Nota prévia: O que pode explicar que uma mulher-activista, que lutou para que a consciência feminina mudasse e se alterasse a sua condição civil e social de seres subjugados, se acantonasse à sombra do marido, o qual veio a recolher todos os louros da sua produção intelectual?!
E apesar de ter sido deputada na 2ª República, Maria Lejárraga viveu o seu tempo, marcado pela guerra civil espanhola (1936-39), e foi no exílio onde escreveu as suas memórias.
Todavia, o que me parece mais paradoxal na história deste singular percurso de vida, é que Maria Lejárraga era tudo menos uma mulher tradicional, pois tratava-se duma grande feminista, duma mulher progressista que tinha uma forma de pensar e de actuar muito à frente do seu tempo. Ora, é esta condição que não "casa" com a forma como ocultou depois todo o seu trajecto intelectual e literário na vida do seu marido, permitindo até que este usurpasse o seu talento intelectual e reconhecimento público.
Como se explica, então, esta atitude e comportamento?
- por entrega amorosa;
- por uma fidelidade a toda a prova;
- por doença;
- por medo ou uma fatalidade inexplicável.
Seja como for, a vida e obra deste Mulher de excepção deve fazer-nos reflectir sobre quem somos, em que tempo vivemos, o que produzimos e, se tivermos essa capacidade analítica e distanciamento histórico, perguntar-mo-nos o que faríamos no lugar e circunstância de Maria Lejárraga.
________________________
“Las mujeres deben ser feministas, como los militares son militaristas y como los reyes son monárquicos; porque si no lo son, contradicen la razón misma de su existencia”
______________________________________
A grande escritora que apagou seu nome para que o marido levasse o crédito por suas obras
A editora Renacimiento resgata a obra de María Lejárraga, a mulher que escreveu as obras com as quais o marido, Gregorio Martínez Sierra, conheceu o sucesso. Romancista e dramaturga, morreu pobre e exilada
_____________________________
Escreveu em silêncio, na solidão entre quatro paredes, longe dos aplausos para as peças que saíam de sua pluma. Seu nome é uma ausência, uma sombra, um vazio e uma história dolorosa. María de la O Lejárraga (San Millán de la Cogolla, 1874 - Buenos Aires, 1974) atravessou um século inteiro e foi uma dessas mulheres brilhantes e pioneiras da Idade de Prata da cultura espanhola. Romancista, dramaturga, ensaísta, tradutora, feminista e, no entanto, ausente das capas de seus livros. O nome que lemos é o de seu marido, Gregorio Martínez Sierra, que recebia elogios nas estreias de Canción de Cuna, El Amor Brujo e El Sombrero de Tres Picos, de Manuel de Falla, enquanto a autora e libretista esperava em casa.
Nestes tempos em que a história da criação parece estar reparando esquecimentos e variando a bússola do cânone oficial, a figura de María Lejárraga retorna com sede de justiça poética. A recuperação de seu nome na capa de sua obra é o reconhecimento a uma das mais destacadas autoras de sua época.
Agora a editora Renacimiento publica Viajes de Una Gota de Água, uma coleção de histórias infantis que a autora publicou na Argentina em 1954, quando já vivia no exílio. Juan Aguilera Sastre e Isabel Lizarraga Vizcarra, especialistas na Idade de Prata, são os responsáveis pelo estudo introdutório e dois outros resgates editoriais: Como Sueñan los Hombres a las Mujeres e Tragedia de la Perra Vida y Otras Diversiones. Teatro del Exilio (1939-1974).
O reconhecimento era para o marido
Esta edição tem valor especial porque ela aparece com seu nome autêntico: María Lejárraga, como fez a autora, pela primeira e única vez em sua vida, no livro de estreia, Cuentos Breves, publicado em 1899. A irritação que provocou em sua família o fato de que seu nome aparecesse nessa primeira obra foi a razão pela qual ela decidiu se eclipsar.
Quando se casou com Gregorio Martínez Sierra, decidiu se esconder atrás do nome dele. Ambos formaram um dos casais artísticos mais produtivos da época. Gregorio era responsável pela direção das obras e quem ficava com a glória nas estreias. María aceitou esse papel de sombra, como Antonina Rodrigo apropriadamente intitulou sua biografia da autora: María Lejárraja, una Mujer a la Sombra.
Gregorio se ocupava da parte externa da parceria, mas era ela quem escrevia. Às vezes os ensaios eram interrompidos porque María estava escrevendo o último ato da obra assinada por Gregorio Martínez Sierra. Todos sabiam que Lejárraga era a "serviçal" de seu bem-sucedido marido. A tal extremo chegou esta situação que Gregorio fazia discursos feministas escritos pela mulher. Aí está o livro Cartas a las Mujeres de España, em que ela encoraja a liberdade e a independência feminina, embora seu nome não apareça em nenhum lugar. Apesar desse silêncio, Lejárraga chegou a ser deputada socialista na Segunda República, uma experiência que relatou em seu livro Una Mujer por los Caminos de España, escrito no exílio.
A história de Lejárraga tem um momento especialmente doloroso. Gregorio se apaixonou pela famosa atriz Catalina Bárcena, com quem teve uma filha. O casamento acabou, mas Lejárraga continuou a colaborar com o marido, escrevendo os livros que ele continuou assinando.
A grande decepção de Lejárraga veio em 1947 com a morte de Gregorio Martínez Sierra, quando a filha de Catalina Bárcena exigiu os direitos autorais do pai. María vivia com poucos recursos no exílio e foi então que reagiu e começou a publicar com seu nome, mas ainda refugiada nos sobrenomes do marido: María Martínez Sierra. E decidiu escrever suas memórias – Gregorio y Yo – onde revela em que consistia a colaboração. Uma obra na qual finalmente saiu do silêncio, embora de forma muito morna.
A filha da amante do marido ficou com os direitos autorais de suas obras
Viajes de una Gota de Água é um livro de melancolia, a lembrança dolorosa de uma exilada: “É um exercício de nostalgia alimentado pela frustração de sentir que seus livros eram proibidos na Espanha e que tampouco encontrava uma maneira de chegar os palcos espanhóis, onde apenas ocasionalmente sua produção anterior era reapresentada”, explicam Juan Aguilera e Isabel Lizarraga.
Com uma dessas histórias, Lejárraga teve outra decepção. Por intermédio de sua tradutora Collice Portnoff, a autora enviou a Walt Disney em 1951 o manuscrito de Merlín y Viviana, que conta a história de um cachorro que se apaixona por uma gata encantadora, que talvez o interessasse para um filme. No entanto, dois meses depois, Disney o devolveu. Em 1955 estreou A Dama e o Vagabundo, cuja história tinha certas semelhanças. Em uma carta à tradutora Lejárraga fala do suposto plágio. “Enviamos a história a Walt Disney, que ficou com ela durante dois meses e a devolveu dizendo que só aceitavam as obras que encomendavam. Em seguida, fez um filme, A Dama e o Vagabundo, que era a mesma história, sem outra mudança além de transformar a gata em uma cadela elegante. Desta vez não quis protestar, para quê?”.
Embora se tenha falado em plágio “as semelhanças são escassas, além do fato de que o projeto de Disney ter começado a tomar forma muito antes de María ter lhe enviado o original”, de acordo com os autores do estudo. Assim foi, mas para María Lejárraga foi outro novo episódio de apropriação de sua obra. Agora, finalmente, aquelas histórias escritas na solidão não esquecem quem foi a verdadeira autora.
Etiquetas: escritora da sombra, María Lejárraga
<< Home