Regresso a Arno Gruen - a traição do EU -
We would rather forgive the evil proliferating all around us than the rebellion against it, which we mistake for the true evil.
Um dos grandes problemas do nosso tempo, além dos preços do petróleo e do dinheiro, do desemprego e da volatilidade dos mercados, é a incapacidade que temos enraizada em nós próprios que provoca comportamento destrutivos. Até porque o homem é o único "animal" (racional) que destrói por destruir, por vezes de forma instrumental, por outras - como um fim em si. Numa espécie de destruição-kantiana.
De resto, se pensarmos bem a quota parte do poder que cada um de nós tem na sociedade decorre na origem da traição que cometemos contra nós próprios a fim de conseguirmos essa quota de poder - da qual não abdicamos. Esse é o poder-alucinação que muitos de nós têm. E os que ainda não o têm querem tê-lo. Nesta linha de pensamento, tributário de Arno Gruen, e que nos remete para a psicanálise, o Homem tem origem na traição que cometeu contra si próprio, a fim de conseguir uma quota-parte de um poder que não passa de alucinação, diz Gruen no seu livro - A Loucura da Normalidade.
Esta sua passagem evoca-me uma outra proferida por aquele que é considerado o analista-historiador "mais cotado" na nossa praça, Vasco Pulido Valente, quando em tempos defendia que cada deputado que chegasse ao Parlamento tinha, para o efeito, de ter conspirado muito antes de lá chegar.
No fundo, somos educados pela regra e pelo tentativa de seguir o padrão, crescemos e desenvolvemo-nos conscientes dessa submissão que está sempre presente nas nossas vidas: em casa com o Pai, com o chefe no emprego, com o padre na igreja, no sindicato, no partido, na escola, wherever. A ordem e a submissão estão sempre lá, e é esse terrível processo que faz com que cada um de nós reconheça o tal ódio vitalício que se vota a si próprio.
Cada vez mais essa imposição - até pelas circunstâncias sociais e económicas em que vivemos colectivamente - se oculta sob a capa de caras sorridentes. Caras que vendem toneladas de amabilidade sugerindo uma simpatia e um respeito infinitos. Mas, na realidade, tornou-se mais difícil identificar o verdadeiro sentimento que vai na mente de cada um. Entrámos na era da hiper-representação e das grandes simulações - individuais e sociais. Daí à mentira institucionalizada foi um passo.
Ninguém hoje fala verdade. Não porque sejamos todos um bando de mentirosos compulsivos, mas porque ninguém hoje é já capaz de o fazer espontânea e desinteressadamente.
Isto ocorre na mente em relação ao pensamento abstracto, mas também ocorre na mente de um empresário no quadro da sua actividade económica, na esfera de acção social de um actor político, no âmbito da tomada de decisão por um responsável (seja técnico ou politico). Enfim, de todo aquele que tem de tomar decisões para o suposto desenvolvimento colectivo.
Significa isto que no interior de cada homem existe um processo de amadurecimento de um pensamento, mas que para ser executado terá de ser comunicado para o exterior, que pode rejeitá-lo. E é aqui que começam os problemas. O pensamento não encontrar a acção, o interior não se encaixar no exterior.
Como diria "a outra" - que desejaria viver num Palácio, supostamente seria uma princesa - mas ainda não tinha encontrado o príncipe.
A importância destas asserções obrigam-nos a recuperar o pensamento de Arno Gruen, e de perceber quão terrível é uma pessoa, as pessoas e a sociedade em geral, de forma mais ou menos consciente, desenvolverem um ódio vitalício a si próprias. Na medida em que só a destruição ainda faz as pessoas sentirem-se vivas.
A quem hoje incomoda os efeitos das imagens (banalizadas) da guerra da Síria ?! Hoje, curiosamente, são considerados loucos aqueles que não aguentam a perda dos valores humanos no mundo real, atestando-se a normalidade àqueles que conseguem separar-se das suas raízes. E é a esses "falcões" que as sociedades tendem a conferir o poder, permitindo que em seu nome decidam do destino das suas próprias vidas. De certo modo, aparte outras considerações de índole socioeconómica, foi o que sucedeu na América de Trump, em que os deserdados da globalização destrutiva decidiram utilizar a única arma que têm ao seu dispor, o voto, para revolucionar o establishement do pós-II Guerra Mundial e chocar o mundo mediante a eleição de quem todos menos esperavam.
O terror hoje oculta-se sob caras sorridentes, partindo daí gestos amáveis e comportamentos aparentemente tolerantes e respeitadores. Mas, na realidade, seja na esfera privada das relações interpessoais, seja no quadro macro-societário (institucional e político) - tornou-se hoje tremendamente difícil identificar a verdadeira cura para esta nossa doença colectiva que resulta desta "traição ao EU" de cada um de nós que baliza a nossa época.
Compreender isto é não ensandecer colectivamente, é empurrar a loucura para as margens, é reclamar a autenticidade e, de caminho, felicitar Arno Gruen por ter entendido atempadamente os perigos destas dissociações que nos vão destruindo uns aos outros neste jogo de influências mútuas que, no plano interpessoal e social, vamos tecendo em nome dessa tal loucura a que alguns chamam poder.
Tenho para mim que a Política, o Direito, a Sociologia, a Economia sendo ciências sociais importantes para entender o nosso mundo, elas já pouco podem antecipar os problemas sociais que temos pela frente. Ou seja, oferecem à sociedade escasso potencial analítico e explicativo acerca dos problemas que estudam e para os quais seria suposto identificar soluções.
É chegado o tempo da Filosofia e da Psicanálise. Hoje os melhores "filtros" que nos impedem de percepcionar erradamente a realidade. Ou de ensandecermos antes do tempo...
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Etiquetas: a traição do EU, Arno Gruen, Loucura da normalidade
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