Um Presidente que desconhece a Constituição, desgosta da democracia e odeia a liberdade
Ao indigitar Passos Coelho para PM Cavaco arranjou um sarilho à República e uma factura mais pesada aos portugueses, adiando assim o futuro do país e o bom funcionamento da economia. Aqui, já não importam os mercados...
Ao diabolizar o BE e o PCP tenta ilegalizar esses partidos e os cerca de 1 milhão de eleitores que representam, presume-se que sejam portugueses de 1ª categoria, embora cavaco entenda segregá-los dentro do seu conceito (quadrado) de democracia. Apesar de A.Costa o ter informado que as matérias relativas à NATO, moeda única, tratado orçamental seriam salvaguardados no acordo de governo com o PS, Cavaco decidiu enfeitar o fantasma pensando, assim, que os portugueses voltariam a acreditar que o PCP vai comer criancinhas para a Travessa do Possolo e que o BE vai incendiar o Parlamento este inverno.
Com o seu discurso o ainda PR tenta dinamizar três coisas ao mesmo tempo:(1) aposta na divisão interna do PS, facilitando a "compra de poder" de alguns deputados mais recalcitrantes por parte da Paf; (2) empurrar para um gueto o PCP e o BE, como se o milhão de votos desses eleitores portugueses fossem enviados para a câmara de gás do conceito de democracia idealizada pelo farol de Belém; (3) e, por fim, aditiva uma coligação contra-natura de direita ultra-montana, radical e neoliberal que tudo pensa resolver com privatizações e pela via do mercado. Trata-se, pois, do ideário do Consenso de Washington e do neoliberalismo selvagem que desregulou as economias mais frágeis e gerou milhões de pobres em todo o mundo.
Até aqui Cavaco denota que nada percebe de economia (do desenvolvimento), e sendo ele um economista parece esquecer-se das lições de Adam Smith, já que a livre iniciativa - sendo importante para desencadear os mecanismos de geração de investimento e de riqueza numa economia - deve ser regulado por um Estado com preocupações sociais, que por via fiscal assegure uma mais eficaz e justa redistribuição dos rendimentos ante a voracidade dos mercados e da economia de casino a que obedecem. Ou seja, perdeu-se a matriz social-democrata do PSD, que entrou numa deriva de direita que julga resolver tudo por via da livre iniciativa e da lógica dos mercados. Os resultados desastrosos na economia nacional estão bem à vista de todos: 3 milhões de pobres, 20% na taxa real de desemprego, meio milhão de emigrantes, mais injustiça social entre os portugueses, etc...
Numa das passagens do discurso que indigita Coelho para PM, Cavaco adianta este pérola:
Em 40 anos de democracia, nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas antieuropeístas, isto é, de forças políticas que, nos programas eleitorais com que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da União Bancária e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da União Económica e Monetária e a saída de Portugal do Euro, para além da dissolução da NATO, organização de que Portugal é membro fundador.
Este é o pior momento para alterar radicalmente os fundamentos do nosso regime democrático, de uma forma que não corresponde sequer à vontade democrática expressa pelos Portugueses nas eleições do passado dia 4 de outubro.
Cavaco devia saber que nenhuma destas traves-mestras da política económica, financeira e europeia de Portugal será tocada, nem o PS se atreveria a ceder nesta quinta-essência da identidade europeia do Portugal contemporâneo cuja adesão foi assinado nos Mosteiro dos Jerónimos (1986), sob pena de se dissolver, ainda assim Cavaco empola e dramatiza estes argumentos para, liminarmente, afirmar que jamais empossará um Governo liderado por António Costa em coligação com o BE e o PCP. Ora, isto viola a Constituição da República Portuguesa - cujo normativo Cavaco parece (ou finge) desconhecer e introduz uma conflitualidade acrescida na vida política portuguesa nos próximos meses.
Noutra passagem do seu discurso anti-democrático cavaco descarta o seguinte:
É aos Deputados que compete decidir, em consciência e tendo em conta os superiores interesses de Portugal, se o Governo deve ou não assumir em plenitude as funções que lhe cabem.
Aqui, Cavaco, entra numa gritante contradição nos termos, pois ao considerar que nunca empossará um governo de esquerda por ser perigoso, chuta a bola quente para as mãos dos deputados que terão de decidir se querem um governo que assuma a plenitude de funções ou se fica em gestão.
Então, mas como é que o PR entende que um governo assim, ferido nas duas asas, não deixa de ser senão um governo de gestão, o qual não poderá tomar qualquer decisão de fundo nem proceder a qualquer reforma, circunstância que bloqueia toda a actividade económica e financeira do Estado, da sociedade e da economia!? A má fé é notória nesta lógica argumentacional e profundamente dramatizada, como se duma peça de teatro se tratasse.
Eis o resultado do Portugal paralisado que saiu do discurso de Cavaco: parcial e faccioso, revelando que é o PR de alguns portugueses, os de centro-direita, contra os demais eleitores que não soube representar.
Em lugar de enaltecer as virtudes da democracia pluralista, Cavaco presta vassalagem aos mercados, em vez de sublinhar a relevância da liberdade coarcta essa condição considerando que o BE e o PCP têm sarna, logo os seus eleitores são para segregar no gueto da democracia musculada que ele defende.
Neste discurso, qual manifesto panfletário de apoio a dois partidos da extrema-direita em Portugal, cujos ideários, "programa" (assente exclusivamente na austeridade) e práxis política se agravaram com a entrada da troika em Portugal, em 2011, o ainda PR - já com poderes constitucionais limitados - revelou conviver mal com a democracia pluralista e não gostar da liberdade. Denunciou ainda desconhecer a Constituição pela qual deveria reger a sua conduta, já que ao não aceitar empossar um Governo de esquerda por ser perigoso, mesmo que a vontade do Parlamento aponte nessa direcção após chumbar o Governo Passos, deixa a porta aberta para um governo de iniciativa presidencial, o que seria a emenda pior do que o soneto, já que presidencializar o Governo seria, isso sim, um verdadeiro golpe de Estado constitucional com epicentro em Belém que só poderia terminar mal entre nós.
Eis o legado do sr. Silva no termo do seu mandato: deixar um Portugal a arder e, ainda por cima, diz agora que o ónus está nas mãos dos deputados, para quem aquele empurrou a bata quente.
Cavaco, no fundo, especializou-se numa arte bem conhecida entre nós: sacodir a água do capote, talvez por isso a culpa continue a morrer solteira entre nós...
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