segunda-feira

Não vote neste aristoscito - por Eurico Heitor Consciência -


Não vote neste
aristoscito

Há já muito tempo que não me entusiasmo com o que escrevo. Já houve tempos em que gostava das minhas crónicas. Mas agora não. Não gosto. Não. Deve ser dos anos, que nos vão moendo e torcendo e roendo e comendo. Com os anos vamos abandonando projectos, perdemos ilusões e ganhamos consciência da inevitabilidade da morte (sobretudo da dos que já morreram) e perguntamo-nos se vale a pena prosseguir caminhos encetados quando jovens. O Fernando disse que tudo vale a pena se a alma não é pequena, mas eu não sei se a minha é grande ou pequena, porque nunca a medi. E, se tivesse conseguido medi-la, não ficava seguro de que tinha alma grande, mesmo que as medidas fossem avantajadas, porque, como se sabe, ninguém é bom medidor de si próprio. Tudo pensado e reflectido e ponderado, entendi e concluí ou descobri que, sendo democrata, deveriam ser os leitores a medir a minha alma – os que a encontrarem - , para o que resolvi fazer um aristoscito sobre o assunto.
Aristoscito sim, que plebiscito não, nunca, t’arrenego, de modo algum, vade retro Satanás, recuso, não admito. E aristoscito em vez de plebiscito porque os plebiscitos são consultas à plebe: plebis + scitum = reconhecido. Logo, o assunto plebiscitado mostra o que é que a reles plebe sabe, reconhece e pretende. Mas os meus leitores não são da plebe nem com a plebe se confundem. Logo estaria a injuriá-los gravemente quando lhes propusesse um plebiscito.
Os meus leitores são necessariamente os melhores leitores do mundo. Os melhores e os maiores. A prova disso é que até lêem as minhas crónicas. São portanto aristo, representam a aristocracia dos leitores, pelo que, não abdicando da sua opinião, lhes proponho a consulta própria da sua classe ou estatuto ou condição –

 Fica assente: continuarei a sacrificar-me e manterei as minhas crónicas, para corresponder aos desejos dos abstencionistas – por quem tenho grande consideração. Sou um deles.
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Obs: Tal como Platão, o autor desta bela prosa, escrita em bom português, descrê da democracia e da plebe e valoriza o regime assente nos aristocratas. Sucede, porém, que os aristocratas do "risco" emigraram, saíram todos do rectângulo em busca de melhores aventuras e de menos impostos, pelo que estamos efectivamente condenados ao regime da plebe, às massas ignaras que, por o serem, votam na enfermidade que está e ameaça, como um câncer repleto de metástases, colonizar todo o tecido social num país com quase 850 anos, tamanho enxovalho histórico. Diante isto, nenhuma tamanho d´alma aguentará...
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