Cavaco e Pedro Passos Coelho: da glória à desgraça. A Rocha Tarpéia lusa
Todos os governantes, em particular os primeiro-ministros pretendem fazer obra, deixar um traço indelével no país que governaram, enfim, desejam integrar a galeria dourada da história e, desse modo, conquistar um quinhão de glória, passaporte para a imortalização.
Cavaco, que beneficiou dessa grande "cornélia" que foi a nossa adesão à então CEE, recebeu mais de um milhão de euros por dia provenientes de fundos comunitários na era de Midas - da Europa de Delors, e com eles fez o que sabemos: auto-estradas, escolas, hospitais e outros equipamentos sociais de que o país carecia. Muita gente enriqueceu e até emergiu na sociedade portuguesa uma classe média média que passou a ter capacidade aquisitiva, o que facilitou o aumento do consumo interno gerador do tal efeito "multiplicador" que Keynes explicava como o dinamizador/motor da economia, o qual fazia crescer o PIB, aumentar a riqueza, potenciar a criação de (pleno) emprego e bem-estar dando, assim, mais qualidade de vida aos portugueses. Tamanho desenvolvimentismo, ou a sua ilusão, representou na percepção das pessoas, designadamente dos mais ingénuos, o caminho para a felicidade lusa. Cavaco representou esse misto de realidade-ficção.
Todavia, nem tudo foras rosas, por exemplo a aposta na formação profissional foi, em rigor, uma aposta perdida, porque os meios de fiscalização falharam redondamente, facto que permitiu que muita gente sem escrúpulos, incluindo aqui ex-sindicalistas afectos à UGT, sedentes de enriquecer à conta daqueles fundos comunitários, e outros empresários ligados à formação e com um pé na política e outro na economia, ao estilo dr. Relvas, serviram-se dos fundos em vez de servir verdadeiramente a economia nacional, a qual perdeu índice de competitividade para outros países europeus da nossa dimensão, como a Irlanda, por exemplo. Além dos próprios perfis das formações delineadas, em inúmeros casos, ser desajustado ao tecido socioeconómico aplicado.
Cavaco, bem ou mal, bafejado pela sorte de ter sido PM no período da nossa adesão à Europa (1986) em que a economia portuguesa mais apoios financeiros beneficiou do exterior, ficará na história, mais que não seja por ter construído o Portugal de betão, por ter infra-estruturado o país, que na década de 80 do séc. XX ainda era considerado um imenso caminho de cabras, não muito distinto da Albânia ou da Roménia, e em que para percorrer o trajecto Lisboa-Porto de automóvel eram exigidas, pelo menos, 7 horas.
Cavaco teve a sorte do seu tempo e da sua circunstância, e nesse contexto, até no plano das Finanças Públicas, era muito fácil gerir um país de cabras que virou um país de betão, embora se tenha esquecido a qualificação de competências dos portugueses, e a maior parte da Formação Profissional desenvolvida destinava-se mais a cumprir estatísticas e a enriquecer os seus promotores do que propriamente a qualificar humanamente um país tecnologicamente iletrado e com baixos índices de produtividade e de competitividade, cuja economia era verdadeiramente desorganizada nos seus métodos de gestão empresarial. Aliás, o Portugal de então não tinha gestores nem empresários, tinha apenas patrões, e estes, por regra, não sabiam liderar, apenas mandavam, e muitos mandavam mal, e outros mandavam muito mal.
Seja como for, Cavaco, o homem que também esteve associado à construção do Centro Cultural de Belém (CCB), que muitos pensavam colidir com a arquitectura do Mosteiro dos Jerónimos e foi objecto de muita polémica então, ficará na história de Portugal por alguém que facilitou a infra-estruturação do Portugal agrícola, rural e atrasado e que permitiu a emergência duma classe média apta para o consumo interno, uma classe até então inexistente em Portugal.
Quando se pretende fazer o paralelo daquele PM, Cavaco, com o alegado PM, Passos Coelho, da mesma cor política, a comparação é trágica. A não ser que se compare o actual PM com o actual PR, exercício que envolve os mesmos players, e aí a comparação trágica fará sentido pelos resultados conhecidos. Mas no plano da igualdade de funções, Passos Coelho ficará seguramente a perder.
O que será o balanço do exercício do pior PM desde o 25A?!
Desmantelou o Estado social, tenciona privatizar todas as empresas públicas, mesma aquelas que cumpriam uma função eminentemente social e de proximidade, como os Ctt; a Tap está na calha; as Águas também. Tudo quanto seja parte integrante do sector da economia social, porque a ideologia é ultraliberal, Passos deseja privatizar. Depois, nem preços baixos nem a qualidade do serviço prestado à população são assegurados. Os exemplos poderiam multiplicar-se. O Estado, em face da tragédia que hoje vive a PT, deveria etr uma palavra a dizer, pois trata-se duma empresa com dimensão estratégica e que alavanca o nome de Portugal no mundo. Mas como já não tem a golden share e o Estado não quer interferir em negociatas e corruptelas entre accionistas privados, não intervém.
Mas terá, garantidamente, de intervir depois quando tiver que pagar as indemnizações e subsídios de desemprego às centenas de quadros quando estes forem despedidos pela empresa no contexto de desmantelamento acelerada em curso, e com as acções abaixo de 1€, coisa nunca vista antes.
Ou seja, este Estado, o Estadinho de Passos Coelho não tem pensamento estratégico acerca de nada, porque a governação para o actual PM resume-se a um mero exercício de deve e haver, de compra e venda.
Em rigor, também não se poderia esperar mais de uma pessoa (sem ofensa aos autarcas) que nem presidente da Câmara Municipal da Amadora conseguiu ser, de modo que o balanço da acção do XIX Governo Constitucional, que governa contra a própria lei que deveria respeitar, é verdadeiramente trágico.
O sucesso constante de ter ganho as eleições legislativas em 2011 traduziu-se numa verdadeira tragédia para a economia e a sociedade portuguesa nestes últimos 3 anos de desmando, incompetência e arrogância. E, certamente, alguma insanidade, pois não é aceitável que o PM - como quem expia os seus próprios pecados - elogie publicamente aquele ministro que mais problemas tem causado à sociedade nos últimos meses.
A política deve ser a arte da previsão e da boa governação visando o bem comum, e não uma questão clínica que deveria ter tratamento no divã do psicanalista.
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