segunda-feira

Criados e criadas de quarto - por Eurico Heitor Consciência -


Que ninguém é dono da verdade todos aprendemos já. E os portugueses que tenham vivido alguns anos da sua vida adulta nos tempos da outra senhora, quarenta anos depois da revolução que tanto prometeu estão em perfeitas condições de provar e comprovar aquela asserção.
Disse-se o que vem de dizer-se para introduzir, com jeito e arte e alguma vaselina, as afirmações que vão seguir-se. Foram feitas por quem não tinha razões para aderir ao 25 de Abril e não gozaria de credibilidade na altura (há pouco menos de 40 anos), porque os seus dizeres seriam logicamente tomados como expressões de profundo despeito.
Entre outras coisas, o personagem em questão disse da Revolução: “Para uma nação que estava em vésperas de se transformar numa pequena Suíça, a revolução foi o princípio do fim. Restam-nos o sol, o turismo, a pobreza crónica e as divisas da emigração, mas só enquanto durarem”.
Que Portugal, nos tempos de Marcelo Caetano, estivesse em vésperas de se transformar numa pequena Suíça terá que levar-se à conta das crenças e entusiasmos de quem proclamou tal, mas que apenas nos restam agora o sol, o turismo, a pobreza crónica e as remessas dos emigrantes só poderão negá-lo os aproveitadores da revolução – que passaram de pobres a ricos e de remediados a milionários às custas deste povo que paga tudo, arca com políticos de todas as cores e até cobre os desmandos dos banqueiros, depois de ter sido roubado por eles toda a vida.
O personagem em questão também disse ao santareno Veríssimo Serrão que -
Pela via aritmética, clamando que são eleitos pelo voto popular, vemos alçados ao poder analfabetos, traidores e desonestos conhecidos de longa data. Alguns nem serviam para criados de quarto e chegam a presidentes de Câmara, a deputados, a governadores civis e mesmo a ministros”.
Há manifesto exagero nesta afirmação, porque todos nós já conhecemos presidentes de Câmara, governadores civis e deputados que dariam razoáveis criados de quarto e presidentas de Câmara, governadoras civis e deputadas que davam de certeza interessantes criadas de quarto.
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Obs: Pergunto-me o que diria hoje o Prof. Marcello Caetano do actual primeiro-ministro; ou o historiador Veríssimo Serrão de Miguel Relvas; ou, no limite, o que cogitaria o Doutor Salazar (ou a sua governanta, Maria) de Ricardo Salgado & família (?!) Ainda que nem uns nem outros sejam modelos de virtudes a seguir pelos cidadãos contemporâneos, embora hoje o negocismo seja à escala industrial e a natureza dos crimes económicos mais gravosos para sociedades inteiras e num curto espaço de tempo, especialmente por via especulativa "tão bem gerida" da economia de casino. 
Tudo questões impossíveis de responder - porque os interlocutores já morreram, mas antes como hoje - são sempre os mesmos a pagar a (pesada) factura dos desmandos da governação. 
A pequena diferença é que hoje pagamos a factura democraticamente, todos sabendo que a corrupção e a promiscuidade entre a alta finança, os negócios e a política andam de mãos dadas, e todos podemos tecer considerações sobre essa execrável promiscuidade sem irmos para a cadeia, acusados de atentar contra o Estado do velho "botas"; antes, no tempo da "outra senhora" - o povo - iletrado - vegetava na mais pura ignorância e acabava por pagar essa mesma factura de coluna curvada e sem qualquer massa crítica relativamente aos "criados e criadas de quarto" que, a pretexto de servirem o Estado - se servem dele. 
E fazem-no por terra (com as famosas auto-estradas), por mar (com a aquisição dos famosos submarinos), e também por ar, com alguns estarolas, os boys de Chicago ali de Massamá, a defenderem a privatização da TAP, de preferência quando ela estiver desvalorizada, como a PT, condição "eficiente" para se entregar a empresa ao preço da uva mijona a um qualquer empresário brasileiro (amigo) recomendado ao Governo pelo dr. Relvas. O mesmo que nem a uma Oral em Setembro iria se tivesse os profs. Marcello ou V. Serrão como docentes no tempo da outra senhora. 
Daqui decorre que, com a revolução de Abril, muita coisa se degradou com esta democracia dos negócios e das corporações que, em rigor, sequestrou a democracia representativa e tornou refém os seus recursos públicos, os mesmos que decidem manter ou aumentar os impostos à classe média, esmagando-a, e manter intocáveis as PPPs, principal sorvedouro do erário público.
Das duas referências, que nos evoca o Paradoxo de J. Buridan, venha o diabo e escolha!!!

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