sexta-feira

Evocação de Eça de Queiroz - A Cidade e as Serras -


A Cidade e as Serras

"Eram os dois homens de Madame de Trèves – o marido, conde de Trèves, descendente dos reis de Cândia, e o amante, o terrível banqueiro judeu, David Efraim. E tão enfronhadamente assaltavam o meu Príncipe que nem me reconheceram, ambos num aperto de mão mole e vago me trataram pôr “caro conde”! Num relance, rebuscando charutos sobre a mesa de limoeiro, compreendi que se tramava a Companhia das Esmeraldas da Birmânia, medonha empresa em que cintilavam milhões, e para que os dois confederados de bolsa e de alcova, desde o começo do ano, pediam o nome, a infância, o dinheiro de Jacinto. Ele resistira, no enfado dos negócios, desconfiado daquelas esmeraldas soterradas num vale da Ásia. E agora o conde de Trèves, um homem esgrouviado, de face rechupada, eriçada de barba rala, sob uma fronte rotunda e amarela como um melão, assegurava ao meu pobre Príncipe que no Prospecto já preparado, demonstrando a grandeza do negócio, perpassava um fulgor das Mil e uma noites. Mas sobretudo aquela escavação de esmeraldas convidava todo o espírito culto pela sua ação civilizadora. Era uma corrente de idéias ocidentais, invadindo, educando a Birmânia. Ele aceitara a direção pôr patriotismo... 
-De resto é um negócio de jóias, de arte, de progresso, que deve ser feito, num mundo superior entre amigos... 
E do outro lado o terrível Efraim, passando a mão curta e grossa sobre a sua bela barba, mais frisada e negra que a dum Rei Assirio, afiançava o triunfo da empresa pelas grossas forças que nela entravam, os Nagayers, os Bolsans, os Saccart... Jacinto franzia o nariz, enervado: 
-Mas, ao menos, estão feitos os estudos? Já se provou que há esmeraldas? 

Tanta ingenuidade exasperou Efraim: 
-Esmeraldas! Está claro que há esmeraldas!... Há sempre esmeraldas desde que haja acionistas! 

E eu admirava a grandeza daquela máxima – quando apareceu, esbaforido, desdobrando o lenço muito perfumado, um dos familiares do 202, Todelle (Antonio de Todelle), moço já calvo, de infinitas prendas.

  • Em boa hora Luís Meneses Leitão recupera aqui esta passagem d´ Eça de Queiróz.

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Obs: Sugira-se aos "trolhas" que desgovernaram a PT nos últimos anos que, antes de o serem, podiam e deviam prestar alguma homenagem à literatura e cultura nacionais. 

Está lá tudo, até a pequena corrupção feita de amiguismo cujo resultado final é uma negativa para o país no seu conjunto. 

Assim, quando as coisas correm mal na "civilização da cidade" pode-se (quem pode!!) regressar à província - para aí recuperar uma vida de mando, orgulho e glória - e, assim, restabelecer a honra perdida.

Mas será que pode ser assim nos dias d´hoje?! Será que é possível trocar a infelicidade da civilização pela alegada felicidade rural e o contacto com a natureza, como em 1900?!

Hoje, qualquer "gato-sapato" produz vinho (basta ter dinheiro para contratar uns enólogos) nesta bebedeira e indigência colectiva em que alguns falsos gestores transformaram Portugal. 

Gestores ao serviço de famílias corruptas que delapidaram as suas próprias empresas e, através delas, pretendem delapidar o erário público, ou seja, esbulhar o povo e desmontar Portugal, como um banco falido.

Daí dizer-se que estão a escavacar o nosso querido Portugal, como diria Eça...


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