No rescaldo - por Eurico Heitor Consciência -
No rescaldo
Descubramos o que resta,
analisemos o que sobra, remexamos o rescaldo e façamos o rebusco das
comemorações dos quarenta anos do 25 de Abril.
Do que se viu e do que se leu
sobram três coisas: a liberdade, a liberdade e a liberdade. Afora isso, um
desencanto danado.
Só deve haver quatro ou cinco mil
portugueses contentes e tão contentes esses que nem lhes caberá um feijão frade
ou um grão de bico no rabo: são os que se montaram no PS e no PSD. Estarão
quase todos ricos ou a caminho de, porque o poder é deles e eles sugam o
produto do trabalho dos trabalhadores (dos trabalhadores que trabalham).
Não estou a desabafar. Nem estou
a expressar pensamentos pessoais. Reparem nos seguintes números da Eurosondagem:
77% dos portugueses não se revêem nos actuais Partidos políticos nem acreditam
neles e 73% desses portugueses entendem que os dos partidos não curam dos interesses
nacionais; o que os move são os seus interesses particulares. Traduzido para
português directo: os dos Partidos tratam de meter ao bolso o que lhes vai à
mão. E, quando as coisas lhes não vão à mão, vão as mãos deles às coisas.
O que não exclui que não andem
por lá uns tantos que são honestos. Não há regras sem excepções.
Do que li e ouvi retive três ou
quatro dicas fundamentais.
Não serei tão radical, mas jogo
com Maria de Fátima Bonifácio, com 30 anos de docência universitária: “Dizer que é a geração mais bem preparada de
sempre dá-me vontade de rir. As pessoas podem ter diplomas que atestam a sua
escolaridade, mas o nível de ignorância é assustador. Se houver 15% de alunos
excelentes é fantástico”.
Não pode porém perder-se de vista
que em 1974 tínhamos 50.000 alunos nas Universidades e que agora temos sete ou
oito vezes mais. Se bem que há por aí Universidades que nunca deveriam ter sido
autorizadas.
Notável foi o que aconteceu com a
mortalidade infantil: de 55 por mil em 1970 passámos para 3 por mil em 2008.
Melhor do que a média da EU!
De cantar também o Serviço
Nacional de Saúde – que há-de imortalizar o meu amigo e condiscípulo António
Arnaut (um político sério e empenhado – como todos deveriam ser).
A corrupção é que nos trama. E a
Justiça que tão mal anda. E cada vez pior e mais lenta… Mas era tão fácil pô-la
a funcionar. Os mais velhos dos leitores lembram-se de que era uma máquina
quase perfeita antes do 25 de Abril.
E os dinheiros, às carradas, que
Bruxelas nos mandou quem é que os palmou?
A síntese de André Gonçalves
Pereira prova que o homem é inteligente: “A sociedade é o que é: Temos um
regime aristocrático medíocre, em que o papel das famílias dominantes é
desempenhado pelos partidos políticos. A
nova aristocracia são os partidos políticos.
É uma aristocracia de posição, não de ideias nem de nascimento.”
Pois é…
Viva a liberdade! Viva a
liberdade! Viva a liberdade!
Eurico Heitor Consciência
P.S. - Ouve-se com intervalos regulares
que atacar os políticos pode fazer perigar a democracia. Devem ser os políticos
que difundem isso. Como não acredito na honestidade da maior parte deles,
defendo-me já: eu quero democracia, mas com democratas honestos e competentes.
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Obs: É curioso notar que o autor apoiou, e bem, a sua reflexão em duas declarações-síntese, ambas verosímeis e facilmente verificáveis. De uma historiadora (de esquerda), e de um professor de Direito Internacional Público (de direita).
Subscrevo ambas, e já defendemos algures que a qualidade técnica, política e cultural do actual primeiro-ministro não atingiria os mínimos indispensáveis para integrar um governo de António de Oliveira Salazar. Com sorte, talvez ascendesse a secretário de Estado da Juventude da antiga mocidade.
Seja como for, creio que fica por responder a questão essencial: o que queremos fazer com a Liberdade que resgatamos em Abril de 1974.
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Etiquetas: 25 abril, Democracia, Liberdade, partidos políticos, rescaldo das comemorações
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