O Santo - por Luís Menezes Leitão
O SANTO. - Link, aqui -
Se há uma coisa que caracteriza este país é a tendência para endeusar os Ministros das Finanças, mas apenas depois de eles terem deixado o cargo, altura em que o povo se esquece dos disparates que fizeram enquanto lá estiveram. É assim que hoje Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix aparecem a comentar frequentemente os resultados orçamentais sem que ninguém lhe pergunte como foi possível terem equilibrado os défices à custa de receitas extraordinárias como a titularização dos créditos fiscais ao Citygroup ou com a integração de fundos de pensões da banca. Da mesma forma, ninguém questiona Teixeira dos Santos como foi possível deixar a situação chegar ao ponto de nas vésperas da bancarrota ainda se estar a assinar contratos para construir o TGV.
Faltava por isso Vítor Gaspar ensaiar o seu processo de beatificação através de uma entrevista a Maria João Avillez, entrevista essa que revela tantos milagres praticados pelo benemérito que estamos seguros que o alçarão brevemente à santidade. Ficámos a saber em primeiro lugar que Eduardo Catroga, que estava a negociar o programa do ajustamento, afinal nada percebia de negociações internacionais, o que levou Vítor Gaspar a intervir para a salvação do PSD e da pátria. Apesar de o pérfido Eduardo Catroga não se ter convertido, a imensa sabedoria de Gaspar causou uma profunda admiração no inner circle de Passos Coelho, os quais imediatamente viram que Vítor Gaspar era afinal o profeta que os poderia conduzir no caminho para a terra santa onde a troika forneceria leite e mel. António Borges é assim o enviado que chama Gaspar a assumir a pasta das Finanças, com a absoluta confiança do Primeiro-Ministro, que lhe delega todos os poderes.
A seguir Vítor Gaspar, à semelhança de São Paulo na estrada de Damasco, tem durante uma viagem de avião para Bruxelas a visão da TSU que tornaria felizes todos os trabalhadores, forçados a abdicar de 7% do seu salário a benefício dos empresários. Infelizmente, no entanto, o povo ainda vive nas trevas e apareceu nas ruas a contestar a medida. E, vá lá saber-se porquê, o ministro Paulo Portas também não se deixou converter à mesma. Gaspar ignora naturalmente os processos mentais desse pérfido ministro, mas sabe bem que o mesmo pretendia uma alteração do rumo, o que o obrigou à saída. Na verdade, Gaspar sempre se assumiu como o responsável político do Governo, tanto assim que acertou a sua saída com o Primeiro-Ministro, quando viu que o objectivo político não foi atingido. Mas para que o Primeiro-Ministro não ficasse desamparado, Gaspar combinou com ele que lhe deixaria uma carta, com as suas instruções para a continuação da política. Maria Luís Albuquerque iria ser assim o Josué que iria atingir a terra santa, que Gaspar, como Moisés, só poderia vislumbrar de longe, mas foi ele a fazer todo o caminho. Infelizmente, no entanto, mais uma vez o pérfido ministro Paulo Portas ameaçou com uma demissão mal preparada, ao contrário da do próprio Gaspar, enfurecendo os demónios dos mercados.
Está assim demonstrado que Vítor Gaspar é um santo que foi incompreendido pelos homens de pouca fé. Estes até serão capazes de o acusar do pecado mortal da soberba.
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Obs: Teria apreciado ver mais referências a outros ministros das Finanças, como aquele "adiantado mental" que, um dia, avistou o oásis enquanto Portugal entrava em agonia..., ainda em pleno cavaquismo. A desgraça começou cedo. O António Oliveira, ante um povo que vegetava, deu o pontapé de saída para esse lamentável e pernicioso culto às finanças em Portugal.
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