A internalização dos interesses. Mudança de paradigma no estudo da Ciência Política em Portugal
Os príncipes conduzem os povos, e os interesses conduzem os príncipes. Mas estes, por vezes, curiosamente, são conduzidos por interesses e paixões demasiado particulares que não se podem inscrever na teoria do interesse de Estado (visando o bem comum que falava Aristóteles) de que aqueles deveriam ser os guardiões.
Tomemos aqui, apenas como pano de fundo algumas condutas públicas já conhecidas por um titular governamental, sem que, no entanto, nos reportemos a ele in concreto, até por ser muito pouco elaborado intelectualmente: nos conceitos, nas articulações, na racionalidade política - enquanto arte e techné da governação - que acaba por explicitar mais pelas omissões do que pelo que é dito. Um excesso de prudência que revela medo, naturalmente. Ou seja, não nos interessa aqui o sujeito político em causa, apenas detectar uma tendência que pode estar em curso na sociedade política em Portugal e que remete para aquilo que denominamos a internalização dos interesses na república (para não a designar privatização de interesses de Estado). É, pois, essa mudança de perspectiva sociopolítica que nos interessa analisar.
Para o efeito, cumpre dizer que os tempos críticos que correm, nos domínios financeiro, económico e social na Europa (que é muito desigual) - são de tal modo excepcionais e graves que a natureza dos conflitos sociais, por extensão, também terá que mudar. E esta preocupação, decorrente de os problemas passarem a centrar-se mais no interior das sociedades, acentuando aí as suas clivagens, afecta a lente através da qual captamos a realidade neste imenso jogo de sombras e de percepções.
Na prática, esta conflitualidade doméstica, até pelo crescente desemprego, falência de empresas e conflitualidade social, agravada pelo esbulho fiscal, fará com que os decisores não tenham tanta pressão para se preocupar com o nível da ameaça externa, inúmeras vezes apresentada ao povo de forma exagerada, por vezes fantasiada, para passarem a centrar-se, de facto, na gestão corrente das questões ditas domésticas, ainda que haja correlação entre as economias nacionais e a economia internacional e o que se passa na economia global, naturalmente.
Mas esta alteração de foco deve-se, não apenas, à natureza dos problemas, que passaram a ter uma dimensão mais doméstica, mas também à natureza desordenada das paixões daqueles que ocuparam as cadeiras do poder, e nem sempre é fácil ordenar paixões e desejos "selvagens" que combinam necessidade de riqueza, prestígio, status, honra e poder. Valores nem sempre fáceis de harmonizar. Talvez só o medo da morte discipline um pouco aquele "núcleo selvagem" de paixões, nele introduzindo algum equilíbrio.
Ora, o que hoje se pode constatar, tomando por referência o que é conhecido da opinião pública e que contrapõe interesses tão diversos, como as "secretas", alguns grupos empresariais privados com interesses nos media, uma "secção demasiado transversal" do poder político e até de alguma maçonaria, decorre da incapacidade de algumas pessoas, grupos e empresas compatibilizarem as suas paixões e interesses, quer com a lei do país onde operam, quer com as suas próprias paixões desmedidas, aqui definidas enquanto elementos impulsionadores que empurram os homens para obter mais riqueza, poder, status, etc... Esta relação redunda numa espiral de violência psicológica, na medida em que se trata duma fixação por aqueles valores que só é apaziguada quando aqueles objectivos de poder são atingidos. Daí muitas das presões feitas junto do poder em funções via sms, e-mails e outros canais. Quando assim é, entra-se no domínio do patológico, senão mesmo na margem da ilegalidade, como também é do conhecimento público.
Seja como for, o problema que avaliamos, e o curso destas ideias espelha isso, tem como ponto de partida organismos especiais do Estado, cujas práticas depois se aplicam a homens e a grupos que dele se aproveitam para fins ilícitos, e esta nova (velha) correlação tem importância ao nível da teoria política e da ciência política, ciência que estuda as dinâmicas do poder (oculto) nas suas diversas vertentes e relações.
Na origem deste problema, que tem agitado a sociedade portuguesa no último ano, curiosamente desde que o PSD assumiu o poder, muito embora alguns desses problemas com as "secretas" já viessem do governo anterior, radica uma ideia antiga de Maquiavel: a noção de lançar "as paixões contra as paixões". Sobre a qual passou a dominar a tal razão de Estado (ragione di stato), termo vulgarizado na 2ª metade do séc. XVI, que veio dar autonomia à ciência política perante as questões morais que dominavam a filosofia política da fase pré-Maquiavel. Mas, ao mesmo tempo, visavam identificar uma vontade racional perante as paixões e os impulsos do momento, que agora a práxis de alguns players políticos nacionais contraditam.
Isto significa que o conceito de interesse passou a ser o orientador da acção na Europa, cujos contornos estão bem patentes na 1ª frase deste enunciado, em homenagem a Nicolau, embora o que na sociedade portuguesa seja preocupante é a natureza compósita desses interesses e paixões, na medida em que há uma grande dificuldade em compreender onde começa o interesse público e terminam os interesses de pessoas e grupos empresariais que aparecem mitigados com o chamado interesse público. E é esta confusão de interesses e paixões que se tornou tão explosiva quanto perigosa em Portugal. De modo tal que os eleitorados deixaram de olhar para quem os representa como pessoas isentas, sérias, transparentes, ou seja, pessoas de bem, agentes políticos confiáveis. Isto pode conduzir, no limite, à passagem duma situação de uma considerável taxa de abstenção a uma revolução. A ser assim, seria lamentável que os problemas da participação política em Portugal se resolvessem.
Com efeito, têm sido essas paixões, relatados nos media e que são do conhecimento público, que levam a misturar interesses de Estado e apetites desordenados de certas privatizações, interesses e paixões que frequentemente transcendem as forças dos agentes que estão por trás delas.
Contudo, para aquele que afirma como preceito de governação que "quem mente sai do governo", não deixa de ser curioso que seja obrigado a reconhecer que a doutrina do interesse de Estado tenha vindo a ser seriamente amputada e invectivada pelas tais paixões desordenadas dos homens com apetites desregulados, ainda que tenham sido os mesmos que teorizaram a moralização da vida pública com referência a exemplos menos claros oriundos do Governo precedente.
Na prática, o que temos constatado nessa relação dangereuse entre "secretas", poder político, grupos empresariais e alguma maçonaria é, precisamente, a circunstância de as paixões individuais dos homens não coincidirem com a prudência necessária que a condução dos negócios do Estado exigiria, e com violação grave de preceitos legais e estatutários por parte de certos agentes de informação que acabaram por encher o corpo político de metástases.
Ou seja, proclama-se a virtude, mas pratica-se o seu exacto contrário; proclama-se o comportamento virtuoso, mas detectam-se condutas mentirosas com o fito de ocultar interesses empresariais mitigados com interesses pessoais enquadrados por uma situação de favor público. E se essas paixões desordenadas não ganharam foros de cidade, com nomeações e reestruturações de serviços da intelligence sugeridos por pedidos à medida, foi, obviamente, porque os media divulgaram essas conexões desocultando relações perigosas. Isto é tão óbvio que não exige mais trabalho hermenêutico. E com nomes tóxicos divulgados na opinião pública nenhum membro do governo faria qualquer nomeação ou acedia a qualquer pedido ou situação de favor.
Qual é, então, a novidade em tudo isto?
- O problema, visto à luz da ciência política, é que há uma transição abrupta do conceito de interesse, muito associado ao bem comum regulado pelo Estado que a todos deve tratar por igual e sempre na prossecução do bem comum da colectividade, e cujo significado não se centra apenas nos aspectos materiais da riqueza dos homens, mas abrangia a totalidade das suas aspirações humanas.
Qual é, então, a novidade em tudo isto?
- O problema, visto à luz da ciência política, é que há uma transição abrupta do conceito de interesse, muito associado ao bem comum regulado pelo Estado que a todos deve tratar por igual e sempre na prossecução do bem comum da colectividade, e cujo significado não se centra apenas nos aspectos materiais da riqueza dos homens, mas abrangia a totalidade das suas aspirações humanas.
Essa transição no conceito de interesse, que nunca enganará, e foi divulgada na Europa no séc. XVII, conhece, hoje, em Portugal, mais até por certas intenções do que pela realidade (em potência) que aquelas intenções comportam ou indiciam, é que permite antever a efectiva vontade dos homens que hoje estão no centro do debate público em Portugal, e que envolve aquelas componentes e instituições do poder político, do poder grupal/empresarial e do poder individual no nosso país.
De súbito, Portugal deixou de falar na sua política externa, na sua afirmação no seio da Europa, ou perante a lusofonia onde devíamos ter uma presença e até uma influência mais actuantes. Não. O que hoje coloniza o discurso público são as relações perigosas entre aqueles players, reforçando até a ideia - que aqui se pretende demonstrar - que não são os interesses de Portugal relativamente à Europa, ao Brasil, aos países africanos que falam o português, que estão em causa.
Esse discurso foi lamentavelmente substituído por uma política estruturada pelo baixo interesse, recortado pela tal transição abrupta do interesse do governante para os interesses dos diversos grupos empresariais e pessoais, ocultando toda a intencionalidade duma trama que estava em andamento no "comboio" da política em Portugal, apenas travada pelas investigações divulgada pelos media e por alguns lapsos cometidos por políticos pouco sofisticados e estruturados, ainda que seja essa a ideia pessoal que pretendam dar de si na esfera pública. Sem sucesso..
A palavra interesse sofreu, assim, uma deslocação no seu centro de gravidade, pois passou a haver o risco em Portugal de o chamado verdadeiro interesse público ser mitigado com o interesse empresarial do grupo A, B ou C ou do sujeito D ou E. Enquadrado pela repetição da palavra "honra", "direito ao bom nome" e demais conceitos que integram o sistema intelectual de justificação de players políticos em desespero de causa, que lutam pela sobrevivência. De facto, esses conceitos servem apenas para encobrir verdadeiros interesses de consciência, interesse de honra, interesse de riqueza, interesse de poder, influência e muitos outros interesses - que depois se misturam no grande caldeirão do poder político institucionalizado que alguns chamam Estado.
Eis as conexões na cadeia dos factos e das intenções que subjazem a esses factos, que nos dão um fluxo de pensamento que permite supor que a "procissão ainda vai no adro", e que, doravante, a república testemunhará surpresas decorrentes das consequências daqueles factos, intenções e paixões desordenadas que permitirá que a justiça (se esta existir!!), se tais intenções e alegados factos se provarem, condenar alguém, ao mesmo tempo que a ciência política fará certamente progressos no seu campo de estudo, ainda que pela porta baixa da política.
Mesmo sabendo que todos os homens buscam naturalmente o proveito próprio, mas este epifenómeno em Portugal tem demonstrado à saciedade que essas intenções e condutas não foram guiadas pela razão nem pelo interesse público; na maior parte dos casos, a gula por poder foi o seu único guia, e os seus desejos e juízos sobre o que é verdadeiramente benéfico ao interesse comum são afastados pelas tais paixões desmedidas dos homens, as quais não têm em conta, como diria Bento Espinosa, o futuro do seu país nem o que quer que seja, além do interesse imediato de tipo pessoal, grupal ou empresarial.
Mas a vida é assim mesmo, para que uns percam alguém tem de ganhar...
Com esta "evolução" conceptual e epistemológica, talvez não seja demasiado desavisado passar a avaliar a política em Portugal já não com base no interesse público, mas assente no interesse individual, o que seria uma manifesta redução da política. Mas não espanta, se considerarmos o nível do escol dirigente que hoje (des)governa Portugal.
PS: "dedicada" a todos aqueles que fazem da política uma arte de desvirtuação do bem comum, reduzindo-a a meros interesses privados, ainda que justificada e mascarada com valores e princípios de honradez, serviço ao bem público, transparência mais uma tonelada de mentiras, que são reinterpretações interessadas da realidade.
De súbito, Portugal deixou de falar na sua política externa, na sua afirmação no seio da Europa, ou perante a lusofonia onde devíamos ter uma presença e até uma influência mais actuantes. Não. O que hoje coloniza o discurso público são as relações perigosas entre aqueles players, reforçando até a ideia - que aqui se pretende demonstrar - que não são os interesses de Portugal relativamente à Europa, ao Brasil, aos países africanos que falam o português, que estão em causa.
Esse discurso foi lamentavelmente substituído por uma política estruturada pelo baixo interesse, recortado pela tal transição abrupta do interesse do governante para os interesses dos diversos grupos empresariais e pessoais, ocultando toda a intencionalidade duma trama que estava em andamento no "comboio" da política em Portugal, apenas travada pelas investigações divulgada pelos media e por alguns lapsos cometidos por políticos pouco sofisticados e estruturados, ainda que seja essa a ideia pessoal que pretendam dar de si na esfera pública. Sem sucesso..
A palavra interesse sofreu, assim, uma deslocação no seu centro de gravidade, pois passou a haver o risco em Portugal de o chamado verdadeiro interesse público ser mitigado com o interesse empresarial do grupo A, B ou C ou do sujeito D ou E. Enquadrado pela repetição da palavra "honra", "direito ao bom nome" e demais conceitos que integram o sistema intelectual de justificação de players políticos em desespero de causa, que lutam pela sobrevivência. De facto, esses conceitos servem apenas para encobrir verdadeiros interesses de consciência, interesse de honra, interesse de riqueza, interesse de poder, influência e muitos outros interesses - que depois se misturam no grande caldeirão do poder político institucionalizado que alguns chamam Estado.
Eis as conexões na cadeia dos factos e das intenções que subjazem a esses factos, que nos dão um fluxo de pensamento que permite supor que a "procissão ainda vai no adro", e que, doravante, a república testemunhará surpresas decorrentes das consequências daqueles factos, intenções e paixões desordenadas que permitirá que a justiça (se esta existir!!), se tais intenções e alegados factos se provarem, condenar alguém, ao mesmo tempo que a ciência política fará certamente progressos no seu campo de estudo, ainda que pela porta baixa da política.
Mesmo sabendo que todos os homens buscam naturalmente o proveito próprio, mas este epifenómeno em Portugal tem demonstrado à saciedade que essas intenções e condutas não foram guiadas pela razão nem pelo interesse público; na maior parte dos casos, a gula por poder foi o seu único guia, e os seus desejos e juízos sobre o que é verdadeiramente benéfico ao interesse comum são afastados pelas tais paixões desmedidas dos homens, as quais não têm em conta, como diria Bento Espinosa, o futuro do seu país nem o que quer que seja, além do interesse imediato de tipo pessoal, grupal ou empresarial.
Mas a vida é assim mesmo, para que uns percam alguém tem de ganhar...
Com esta "evolução" conceptual e epistemológica, talvez não seja demasiado desavisado passar a avaliar a política em Portugal já não com base no interesse público, mas assente no interesse individual, o que seria uma manifesta redução da política. Mas não espanta, se considerarmos o nível do escol dirigente que hoje (des)governa Portugal.
PS: "dedicada" a todos aqueles que fazem da política uma arte de desvirtuação do bem comum, reduzindo-a a meros interesses privados, ainda que justificada e mascarada com valores e princípios de honradez, serviço ao bem público, transparência mais uma tonelada de mentiras, que são reinterpretações interessadas da realidade.
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